Agora, só me resta embrulhar a minha dor neste lenço. Vou machucá-la com força até ficar igual a uma bola. Antes das aulas, irei sozinha para o bosque das faias. Não me irei sentar à mesa, a fazer contas. Vou levar a minha angústia e poisá-la nas raizes, por baixo das faias. Examiná-la-ei e passá-la-ei por entre os dedos. Eles não me irão encontrar. Comerei nozes e tentarei encontrar ovos por entre os espinheiros, o meu cabelo vai ficar emaranhado, e acabarei por ter de dormir debaixo das sebes e de beber água das poças, acabando por morrer.
[...]
e isso faz com que o teu desejo de possuir uma coisa apenas se veja obrigado a estremecer como a luz que se move por entre as folhas das faias; e por fim as palavras, que agora se movem sombrias nas profundezas da tua mente, acabarão por quebrar este nó de dor enrolado no teu lenço.
[...]
Tenho pouco tempo para estar só. Tenho pouco tempo para ser livre. Apanhei todas as pétalas caídas e pu-las a nadar. Pus gotas de chuva em algumas. Vou colocar um farol aqui. Agora, vou embalar a minha taça castanha de um lado para o outro para que os meus navios possam cavalgar as ondas. Alguns afundar-se-ão. Outros despedaçar-se-ão contra os rochedos. Mas há um que navega sozinho. É o que é verdadeiramente meu. Navega por cavernas geladas onde os ursos polares rosnam, e das estalactites pendem correntes negras. As ondas elevam-se; as suas cristas enrolam-se; reparem nas luzes dos mastros principais.
[...]
Sei a lição de cor. Sei mais do que aquilo que eles alguma vez saberão. Sei os casos e os gêneros; podia aprender tudo e mais alguma coisa se quisesse. Mas eu não quero emergir e dizer a lição. Tal como fibras num vaso de flores, as minhas raízes enrolam-se em torno do mundo. Não quero emergir e viver à luz deste enorme relógio amarelo que não pára de fazer tiquetaque-tiquetaque.
[...]
Todavia, eu não consigo. Apenas vejo números. Um a um, os outros vão entregando as respostas. Chegou a minha vez. Só que não tenho respostas. Os outros tiveram autorização para sair. Deixaram-me sozinha para que encontrasse resposta. Os números não têm qualquer sentido. O sentido desapareceu. O relógio faz tiquetaque. Os dois ponteiros são como caravanas a atravessar o deserto. As barras negras no mostrador são como oásis verdes. O ponteiro maior antecipou-se para ir buscar água. O outro, dolorosamente, vai tropeçando por entre as pedras quentes. Acabará por morrer no deserto. A porta da cozinha bate. Os cães vadios ladram lá longe. Reparem, a forma redonda do número começa a encher-se com o tempo; o mundo está todo lá contido. Comecei a traçar um número, o mundo está lá dentro e eu estou fora do laço. Acabo por o fechar - assim - selando-o, tornando-o inteiro. O mundo está completo e eu estou de fora.
[...]
A alvorada é uma espécie de empalidecer do céu; uma espécie de renovação. Um outro dia, uma outra sexta-feira, um outro vinte de Março, Janeiro ou Setembro. Um outro despertar geral. As estrelas recolhem-se e extinguem-se. As ondas quebram-se na praia.
~
Para uma das melhores pessoas que eu já conheci, Anne, obrigado por ser minha amiga enquanto você teve tempo, te amo, eu sempre lembrarei de cada minuto em que conversamos e dos presentes que você me deu, eu nem tive tempo de dar um, né? Desculpa.
Andrew Oliveira
Texto: Virginia Woolf,
' The Waves '
[...]
e isso faz com que o teu desejo de possuir uma coisa apenas se veja obrigado a estremecer como a luz que se move por entre as folhas das faias; e por fim as palavras, que agora se movem sombrias nas profundezas da tua mente, acabarão por quebrar este nó de dor enrolado no teu lenço.
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Tenho pouco tempo para estar só. Tenho pouco tempo para ser livre. Apanhei todas as pétalas caídas e pu-las a nadar. Pus gotas de chuva em algumas. Vou colocar um farol aqui. Agora, vou embalar a minha taça castanha de um lado para o outro para que os meus navios possam cavalgar as ondas. Alguns afundar-se-ão. Outros despedaçar-se-ão contra os rochedos. Mas há um que navega sozinho. É o que é verdadeiramente meu. Navega por cavernas geladas onde os ursos polares rosnam, e das estalactites pendem correntes negras. As ondas elevam-se; as suas cristas enrolam-se; reparem nas luzes dos mastros principais.
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Sei a lição de cor. Sei mais do que aquilo que eles alguma vez saberão. Sei os casos e os gêneros; podia aprender tudo e mais alguma coisa se quisesse. Mas eu não quero emergir e dizer a lição. Tal como fibras num vaso de flores, as minhas raízes enrolam-se em torno do mundo. Não quero emergir e viver à luz deste enorme relógio amarelo que não pára de fazer tiquetaque-tiquetaque.
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Todavia, eu não consigo. Apenas vejo números. Um a um, os outros vão entregando as respostas. Chegou a minha vez. Só que não tenho respostas. Os outros tiveram autorização para sair. Deixaram-me sozinha para que encontrasse resposta. Os números não têm qualquer sentido. O sentido desapareceu. O relógio faz tiquetaque. Os dois ponteiros são como caravanas a atravessar o deserto. As barras negras no mostrador são como oásis verdes. O ponteiro maior antecipou-se para ir buscar água. O outro, dolorosamente, vai tropeçando por entre as pedras quentes. Acabará por morrer no deserto. A porta da cozinha bate. Os cães vadios ladram lá longe. Reparem, a forma redonda do número começa a encher-se com o tempo; o mundo está todo lá contido. Comecei a traçar um número, o mundo está lá dentro e eu estou fora do laço. Acabo por o fechar - assim - selando-o, tornando-o inteiro. O mundo está completo e eu estou de fora.
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A alvorada é uma espécie de empalidecer do céu; uma espécie de renovação. Um outro dia, uma outra sexta-feira, um outro vinte de Março, Janeiro ou Setembro. Um outro despertar geral. As estrelas recolhem-se e extinguem-se. As ondas quebram-se na praia.
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Para uma das melhores pessoas que eu já conheci, Anne, obrigado por ser minha amiga enquanto você teve tempo, te amo, eu sempre lembrarei de cada minuto em que conversamos e dos presentes que você me deu, eu nem tive tempo de dar um, né? Desculpa.
Andrew Oliveira
Texto: Virginia Woolf,
' The Waves '
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