- E quando você olhar para trás, vai ser válido todo esse risco?
- Eu não sei... Eu não consigo saber. É como se a minha mente estivesse presa. É como se eu
quisesse fugir da minha própria sombra.
- Você ama Heimdall tanto assim? Vale à pena sofrer tanto por ele?
- Por que você mesma não se pergunta? Pra sentir como eu estou agora? O que é exatamente correr riscos por uma pessoa? É se humilhar por ela? - As perguntas de Frey se dissiparam nas memórias de Forseti.
Forseti ainda chorava, afinal, não se tem mais nada pra se fazer num velório, além de chorar. Freya gritava desesperadamente, como se tivessem arrancado alguma parte de seu corpo, e sua avó tentava acalmá-la, sem sucesso algum. O ar estava abafado, apesar do frio lá fora. Roupas e sapatos pretos, todos sociais. Poquíssimas pessoas, na verdade, lá estava a mãe de Frey, sentada numa cadeira, perdida em seu próprio mundo. Algumas pessoas não conseguem acordar para os outros mundos, ou algum horizonte qualquer. Heimdall segurava o choro, não se sabe porquê.
Apenas o silêncio tomava conta daquela sala acalentada por uma dor dilacerante. E ainda tinha Hermod, Hermod olhava apenas de modo vago e vazio, sem expressar nada, para o corpo magro, pálido e frio de Frey, ele não brilhava mais. Não tocou nas suas mãos, nem chorou, permaneceu apenas com a boca meio aberta, com o olhar cabisbaixo. A lareira da casa da avó de Freya e Frey respirava ali, o carpete absurdamente branco, e o caixão no centro da sala, exposto para aquelas criaturas mornas de alguma coisa que eu também não consigo explicar.
Não se pode explicar o vazio, apenas senti-lo.
O pássaro negro estava longe, Hermod se encontrava sentado no seu inconsciente, assistindo a si mesmo deitando ao lado de Frey por tantos dias, todos aqueles dias eram ardentes para ele.
E o seu hálito quente passando pelo seu pescoço, mordendo-o como se fosse um vampiro, e soltando leves gemidos de satisfação. E Hermod adorava devorar aquela boca. Ele passeava todo o seu corpo pelo corpo de Frey, aquela palidez tão quente e devassa, de um cheiro doce como uma primavera esquecida num outono de café. Seus olhos ofuscantes, meio desfocados, meio distraídos, que dançavam com a canção de amor do coração de Hermod.
Aquilo se chamava Felicidade.
Forseti ainda sentia os abraços de Frey, mas ela não queria que ele se tornasse apenas uma lembrança, entretanto, já estava se tornando. E todas as vezes que brincaram juntos na areia, na frente de casa, nos parquinhos, na escola, e todas as vezes que conversaram sobre o amor, sobre a felicidade, sobre seus sonhos e suas expectativas, sobre seus objetivos, e todas as vezes que choraram juntos, que dormiam juntos, como dois irmãos. Tudo estava se definhando num espaço fechado, meio escuro meio clareado, não era lembrança, nem espera, nem felicidade.
O amor é um quarto escuro e fechado, onde só se ouve o ressoar de uma canção chamada Esperança, e de um sussurro chamado Dor.
As horas se descosturavam devagar, como se o tempo estivesse com preguiça, quase parando, aliás, andar num deserto durante toda a eternidade é mesmo entediante. Mas é assim que as coisas são. E por que não quase ninguém consegue mudá-las? Até que o meio dia chegou, pouco sol, como sempre, hora de enterrar. Ninguém estava com apetite, nem com a mínima vontade de fazer qualquer outra coisa, comida ou ação alguma poderia tirar aquela sensação de perda. As pessoas precisam de um fardo para suportar o mundo.
A Perda é um sentimento consequênte do egoísmo, os egos são apenas um peso cinzento no além.
Forseti deu mais uma olhada na mãe de Frey, que estava apenas com a cabeça baixa, os cabelos desarrumados, ela não estava sentindo o mesmo que aquela mulher, com certeza não. Mas mesmo assim, foi em direção à ela.
- Eu não faço a mínima ideia de como você se sente agora. Eu não sei o que você vai pensar de mim. Mas por que você o abandonou?
Ela apenas chorava, de cabeça baixa. Não respondeu nada, nem tentou, Forseti se sentiu ignorada e se irritou um pouco.
- Acho que isso se chama castigo. É o que sempre acontece. - Disse ainda Forseti.
Ela segurou um braço de Forseti, impedindo-a de ir embora. E ela não conseguia parar de ver Frey segurando aquele ursinho de pelúcia no parque, todo sujo da areia, eu tenho que lavá-lo filho! Ele está uma imundície! A senhora vai devolver ele, mãe?
Você vai devolver o meu coração?
- Forseti... O que você faria se tivesse que escolher entre respirar no inferno, ou ser uma escrava no céu?
Forseti tirou lentamente a mão da mulher de seu braço, com delicadeza.
- Eu ainda escolheria morrer e permanecer na terra. Não se pode fugir do que é certo.
- E o que é certo, pra você?
- Enfrentar as adversidades que me impõem. O que mais eu poderia fazer?
O que mais se pode fazer quando você está numa ponte prestes a arrebentar a corda que a segura?
~
Forseti e todos os outros, após o enterro, foram para suas casas, chorar, bebericar café e ouvir alguma música de um rock pornográfico esquecido. E se definharam lentamente naquele luar cheio, naquelas estrelas que davam o caminho que ainda paira sobre o amor e a solidão. Talvez o amor e a solidão andem juntos, nenhum desses sentimentos precisam do que é recíproco para viverem e ainda continuarem ali, insistindo e penetrando seus espinhos na crucificação de cada um. Nós somos apenas animais orgulhosos cheios de pregos nos segurando na nossa cruz, porque nem a nossa própria cruz consegue segurar o nosso insignificante peso. Somos as antenas de uma formiga, procurando por abrigo e comida, que patéticos.
Você tem apenas que encontrar a si mesmo
Você tem apenas que ter auto-confiança o suficiente para continuar ali, firme e corajoso.
E foi isso que Forseti fez, após ter descoberto o vazio dentro dela, o vazio onde uma criança se instalava, o vazio de seu coração. E foi essa a atitude que Forseti tomou, durante os dias que começaram a acelerar, com o tempo correndo livre ao conseguir enxergar o horizonte de um oásis. Dias, semanas, meses. E foi assim que Forseti passou seus anos, descobrindo uma nova chance para viver bem, ao lado do melhor presente que Deus poderia lhe dar.
- Eu não sei... Eu não consigo saber. É como se a minha mente estivesse presa. É como se eu
quisesse fugir da minha própria sombra.
- Você ama Heimdall tanto assim? Vale à pena sofrer tanto por ele?
- Por que você mesma não se pergunta? Pra sentir como eu estou agora? O que é exatamente correr riscos por uma pessoa? É se humilhar por ela? - As perguntas de Frey se dissiparam nas memórias de Forseti.
Forseti ainda chorava, afinal, não se tem mais nada pra se fazer num velório, além de chorar. Freya gritava desesperadamente, como se tivessem arrancado alguma parte de seu corpo, e sua avó tentava acalmá-la, sem sucesso algum. O ar estava abafado, apesar do frio lá fora. Roupas e sapatos pretos, todos sociais. Poquíssimas pessoas, na verdade, lá estava a mãe de Frey, sentada numa cadeira, perdida em seu próprio mundo. Algumas pessoas não conseguem acordar para os outros mundos, ou algum horizonte qualquer. Heimdall segurava o choro, não se sabe porquê.
Apenas o silêncio tomava conta daquela sala acalentada por uma dor dilacerante. E ainda tinha Hermod, Hermod olhava apenas de modo vago e vazio, sem expressar nada, para o corpo magro, pálido e frio de Frey, ele não brilhava mais. Não tocou nas suas mãos, nem chorou, permaneceu apenas com a boca meio aberta, com o olhar cabisbaixo. A lareira da casa da avó de Freya e Frey respirava ali, o carpete absurdamente branco, e o caixão no centro da sala, exposto para aquelas criaturas mornas de alguma coisa que eu também não consigo explicar.
Não se pode explicar o vazio, apenas senti-lo.
O pássaro negro estava longe, Hermod se encontrava sentado no seu inconsciente, assistindo a si mesmo deitando ao lado de Frey por tantos dias, todos aqueles dias eram ardentes para ele.
E o seu hálito quente passando pelo seu pescoço, mordendo-o como se fosse um vampiro, e soltando leves gemidos de satisfação. E Hermod adorava devorar aquela boca. Ele passeava todo o seu corpo pelo corpo de Frey, aquela palidez tão quente e devassa, de um cheiro doce como uma primavera esquecida num outono de café. Seus olhos ofuscantes, meio desfocados, meio distraídos, que dançavam com a canção de amor do coração de Hermod.
Aquilo se chamava Felicidade.
Forseti ainda sentia os abraços de Frey, mas ela não queria que ele se tornasse apenas uma lembrança, entretanto, já estava se tornando. E todas as vezes que brincaram juntos na areia, na frente de casa, nos parquinhos, na escola, e todas as vezes que conversaram sobre o amor, sobre a felicidade, sobre seus sonhos e suas expectativas, sobre seus objetivos, e todas as vezes que choraram juntos, que dormiam juntos, como dois irmãos. Tudo estava se definhando num espaço fechado, meio escuro meio clareado, não era lembrança, nem espera, nem felicidade.
O amor é um quarto escuro e fechado, onde só se ouve o ressoar de uma canção chamada Esperança, e de um sussurro chamado Dor.
As horas se descosturavam devagar, como se o tempo estivesse com preguiça, quase parando, aliás, andar num deserto durante toda a eternidade é mesmo entediante. Mas é assim que as coisas são. E por que não quase ninguém consegue mudá-las? Até que o meio dia chegou, pouco sol, como sempre, hora de enterrar. Ninguém estava com apetite, nem com a mínima vontade de fazer qualquer outra coisa, comida ou ação alguma poderia tirar aquela sensação de perda. As pessoas precisam de um fardo para suportar o mundo.
A Perda é um sentimento consequênte do egoísmo, os egos são apenas um peso cinzento no além.
Forseti deu mais uma olhada na mãe de Frey, que estava apenas com a cabeça baixa, os cabelos desarrumados, ela não estava sentindo o mesmo que aquela mulher, com certeza não. Mas mesmo assim, foi em direção à ela.
- Eu não faço a mínima ideia de como você se sente agora. Eu não sei o que você vai pensar de mim. Mas por que você o abandonou?
Ela apenas chorava, de cabeça baixa. Não respondeu nada, nem tentou, Forseti se sentiu ignorada e se irritou um pouco.
- Acho que isso se chama castigo. É o que sempre acontece. - Disse ainda Forseti.
Ela segurou um braço de Forseti, impedindo-a de ir embora. E ela não conseguia parar de ver Frey segurando aquele ursinho de pelúcia no parque, todo sujo da areia, eu tenho que lavá-lo filho! Ele está uma imundície! A senhora vai devolver ele, mãe?
Você vai devolver o meu coração?
- Forseti... O que você faria se tivesse que escolher entre respirar no inferno, ou ser uma escrava no céu?
Forseti tirou lentamente a mão da mulher de seu braço, com delicadeza.
- Eu ainda escolheria morrer e permanecer na terra. Não se pode fugir do que é certo.
- E o que é certo, pra você?
- Enfrentar as adversidades que me impõem. O que mais eu poderia fazer?
O que mais se pode fazer quando você está numa ponte prestes a arrebentar a corda que a segura?
~
Forseti e todos os outros, após o enterro, foram para suas casas, chorar, bebericar café e ouvir alguma música de um rock pornográfico esquecido. E se definharam lentamente naquele luar cheio, naquelas estrelas que davam o caminho que ainda paira sobre o amor e a solidão. Talvez o amor e a solidão andem juntos, nenhum desses sentimentos precisam do que é recíproco para viverem e ainda continuarem ali, insistindo e penetrando seus espinhos na crucificação de cada um. Nós somos apenas animais orgulhosos cheios de pregos nos segurando na nossa cruz, porque nem a nossa própria cruz consegue segurar o nosso insignificante peso. Somos as antenas de uma formiga, procurando por abrigo e comida, que patéticos.
Você tem apenas que encontrar a si mesmo
Você tem apenas que ter auto-confiança o suficiente para continuar ali, firme e corajoso.
E foi isso que Forseti fez, após ter descoberto o vazio dentro dela, o vazio onde uma criança se instalava, o vazio de seu coração. E foi essa a atitude que Forseti tomou, durante os dias que começaram a acelerar, com o tempo correndo livre ao conseguir enxergar o horizonte de um oásis. Dias, semanas, meses. E foi assim que Forseti passou seus anos, descobrindo uma nova chance para viver bem, ao lado do melhor presente que Deus poderia lhe dar.
~
Andrew Oliveira
Nenhum comentário:
Postar um comentário