Solitude, darkness and love


"I don't wanna admit, but we're not gonna fit"

terça-feira, 28 de junho de 2011

Matéria Especial: Vespertine, uma análise.

Björk está retornando com mais um (muito provavelmente) fabuloso álbum, ou projeto, chamado Biophilia. Depois de passear com instrumentos de sopro e da “terra” - como ela disse - com Volta, e explorar o máximo da voz humana com Medúlla, é a vez de um projeto sobre natureza e tecnologia em uma mistura que só Björk é capaz de fazer. Mas estou aqui para falar de um outro álbum.

Björk é daquelas artistas que serão lembradas por décadas e décadas após a fim da sua vida. Pra ser mais exato, num mundo onde o mainstream usa a palavra “artista” tão banalmente e sem profundidade alguma, Björk é sim uma artista de verdade. Ela é capaz de causar desde a mais obsessiva admiração ao mais puro asco por pessoas desacostumadas a algo assim. E só após décadas e décadas, ela será enfim compreendida e terá o posto de deusa que sempre foi. Björk é autêntica, pura em sua música e desterritorializada de tudo que já se viu em sua imagem.
Excêntrica, despida de padrões sociais, surrealista, expressionista, conceitual, vanguarda, primitiva, gloriosa, magnânima, essencial, louca. Ela é o cisne em meio a tantos milhões de corvos da música.Visionária – já disseram vários – e talvez ninguém tenha feito tanto de tantas formas diferentes como ela.
Vespertine, lançado em 2001 e com uma turnê que durou até o final de 2002, antes de Björk comemorar seus dez anos de carreira, é, para mim, o seu maior e melhor álbum já feito, e o maior e melhor álbum já feito que eu tive o prazer de escutar. Doze faixas de amor, imaginação e sentimentos nunca pronunciados, apenas guardados em um mundo onírico e cinzento.
1 – Hidden Place
Vespertine é iniciado como um ritual, a porta de entrada para o seu universo secreto, um lugar de horizonte vermelho e azul (como mostrado no vídeo). Em Hidden Place, há uma ode infindável de metáforas sobre onde e como encontrar esse universo, esse esconderijo, passeando pelo coral das mulheres da Groelândia, tal uma canção de ninar faz uma criança adormecer nas suas imaginações. Como ondas, os beats e microbeats surgem, se engrandecem, e depois desaparecem. Talvez tenham ido embora, ou nunca tenham sequer existido.
2 – Cocoon
Em Cocoon, Björk deixa claro o que era apenas um detalhe na primeira canção: o sexo. Usando metonímias, referências, comparações, e, claro, metáforas, a artista narra o sentimento de acordar com a pessoa amada ao lado, e o quanto ela se deixou hipnotizar pelo seu encanto. De manhã, talvez. De madrugada, com certeza. Ela se sente especial ao saber que não foi abandonada, então esconde toda a sua dor num casulo, no cálido desejo de transformá-la em uma borboleta de alegria exaltada e violenta.
3 – It’s Not Up To You
As coisas começam a se movimentar. A personagem, ou o cisne, ou ela mesma, acorda com vários pensamentos atormentando sua cabeça. Por que ele acredita que eu tenha tanta necessidade dele? “Eu acordo e o dia parece estar quebrado”, ela canta. Sentimentos como o estresse, o peso de um cotidiano conturbado e o começo de uma tristeza são mostrados de maneira suave na música. A harpa composta por Björk e tocada pela graciosa Zeena Parkins começa a entrar em ação. Em Vespertine, todas as músicas são cruciais (e isso não deve ser válido apenas para este álbum). “Isso não depende de você, bem, realmente nunca dependeu”, ela continua, com sua voz poderosa numa leve agonia, cantando fortemente sobre a possessão e a verdade de tal relacionamento. “Lá há muito apego ao topo, lá há muita pressão”... estaria ele sendo fútil, e ela não conseguindo mais suportar as adversidades?
4 – Undo
Os problemas pioram. O cisne percebe as suas feridas, e nada já está tão bem quanto foi antes. Culpa, transparência, a dor que deveria se transformar numa borboleta rasga o seu casulo antes do tempo e dissemina escuridão. “E se sangrares, desfaça-se, e se chorares, desfaça-se”. Ela pede para ele partir? Para ele ser forte? Se aquilo for a melhor decisão, ele irá mesmo? E ele? Quais decisões ele poderia tomar? Não deixando de lado que toda música de Björk é um livro extenso de vários significados, talvez ela nem esteja falando de um relacionamento, ou dos problemas que o envolvem. Björk é a rainha da subjetividade, cabe aos ouvintes compreenderem da forma que lhes convém.
5 – Pagan Poetry
Paganismo: a crença em deuses que cometem tantos erros quanto os seres humanos; sacrifícios de sangue, rituais, a beleza da alma, a libertação sexual, o primitivismo, o contato mais puro com a natureza, o que a forma. E a poesia, não tão diferente do paganismo, tem a capacidade de transformar um único olhar num verdadeiro trovão furioso e destruidor. Pagan Poetry é o amor masoquista, o amor submisso, o amor inglorioso, o amor desesperado, o amor frio, o amor fervente, o amor rasgado, necessitado, cruel, infindável, decadente, submerso, altivo, polipolar, agressivo, frágil, palpável, onírico e inigualável. Uma canção gélida e ao mesmo tempo ardente, Björk explicita a dor na sua voz, no vídeo em que um vestido de pérolas (obra prima de Alexander McQueen) penetra na sua pele e as imagens são transformadas em figuras abstratas, aguçando o subconsciente do telespectador, fazendo-o perceber que a dor, o amor, o sexo, a paixão e os sonhos têm mais coisas em comum do que se pode imaginar. Pagan Poetry é, se não o maior, mas um dos maiores ápices de Vespertine. Uma ventania de arte que destrói o coração de qualquer um que ouça. Björk, sempre se superando.
6 – Frosti
Orvalho congelado, geada, neve. O que se imagina com um instrumental feito apenas com uma caixa de música? Se Björk já teve o seu momento de se apresentar com Hidden Place, a sua hora de acordar pela madrugada em Cocoon, voltar ao cotidiano com It’s Not Up To You, tentar resolver uma gama de problemas com Undo, e gritar o seu amor para o mundo com Pagan Poetry, o que se espera mais de um álbum desses? Ele poderia acabar aqui mesmo, com Pagan Poetry, e com certeza transportaria muita coisa. Mas Vespertine entra numa “segunda parte” com Frosti. A hora em que ela corre para fora de sua casa e sente a neve nos pés descalços, o frio cortante a açoitar-lhe a pele feminina e os cabelos lustrosos. O momento em que ela foge completamente do mundo real e sonha com um vale de montanhas, num horizonte cinza e morno, e lá, apenas lá, ela pudesse finalmente se sentir aliviada, ao descobrir o maior presente que a natureza poderia lhe dar.
7 – Aurora
A alvorada, a tela do céu pintada com tinta aquarela rósea, azul clara, branca, laranja e suavemente púrpura. O suspiro dos poetas que tanto a usam como musa inspiradora, como a vista mais bela para se esquecer de tudo, até de si mesmo. O coral, presente desde Hidden Place continua sua jornada ao lado da voz única de Björk, a harpa está mais forte, os microbeats se dispersam e depois retornam, como uma nevasca. Aurora, escrita tão bem para ser analisada em dois contextos, uma para narrar a sua caminhada durante o amanhecer, sua homenagem a Aurora, e a outra, com conotações mais sexuais. “O caminho derrete, eu desejaria derreter dentro de você”, ela confessa. O cheiro dos orvalhos, o zumbido dos insetos, a infância. Björk disse numa entrevista que Aurora narra um pequeno acontecimento de quando ela era criança, enquanto corria pelas montanhas da Islândia no inverno, ela caiu e bateu os joelhos, então pôs neve na boca para diminuir a dor. Ora... Quem conseguiria colocar tantos significados bonitos em quatro minutos e trinta e nove segundos de música?
8 – An Echo, A Stain
Palavras interrompidas, sonhos misteriosos e evanescentes, um único e poderoso erro. Inspirada na peça de Sarah Kane, “Crave”, An Echo, A Stain é o sussurro misterioso de Vespertine. Uma canção soturna, como se fosse o ponto mais sutil e capcioso do álbum, efêmera como a borboleta que se transformou em escuridão, Björk canta em pouquíssimas palavras um ato, uma reação, uma falta de reação, uma ânsia, um medo, e uma queda livre. No mundo dos sonhos ou no mundo real, qual é o mundo mais forte em Vespertine?
9 – Sun In My Mouth
“Eu pegarei sol com a minha boca, e saltarei viva no maduro ar”. Um poema belíssimo de E. E. Cummings cantado com toda a sensibilidade de Björk. Caixas de músicas, violinos em lágrimas sucintas, lalalás. Sun In My Mouth é o momento mais harmonioso de Vespertine, carregado de melancolia, uma dose doce de sexo e um mundo cintilante do coração. Björk se vai num campo de trigo dourado do sol, sem cinza, e nada mais.
10 – Heirloom
Um lugar especial, que leva a sentimentos especiais, que leva a lembranças especiais. Heirloom pode facilmente ser compreendida como um sonho, ou um pesadelo, ou nada. Os beats estão mais agitados, há um sentimento novo nesse lugar especial, nesse esconderijo. Mas Björk não pára por aqui.
11 – Harm Of Will
Harm of Will é quase como um prelúdio. Um pequeno réquiem disfarçado, uma máscara em Vespertine. Nesta canção, se constroem imagens distantes, pedidos desesperados, desejos amordaçados. Os violinos e violoncelos moldam uma estrada longa num crepúsculo de vozes adocicadas e frágeis, tão frágeis que, se músicas fossem palpáveis, elas poderiam se despedaçar ao primeiro toque.
12 – Unison
E a grande obra se fecha com chave de diamantes. As mulheres do Inuit Choir arrepiam, a harpa está mais forte, mais presente, num duelo incansável com os outros instrumentos, e os microbeats. Björk inicia a música apenas com sua voz, num tom calmo, gentil, harmônico, quase inalcançável, com uma frase simples mas de significado profundo, em Unison, sim. Unison, toda a representação de Vespertine e seus objetivos se encontram numa orquestra perfeita que canta o amor e o define da melhor forma: uníssono. Há palavra mais bela para isso? Talvez sim. Mas Unison é o cisne confessando seus problemas, e mesmo assim abdicando de muita coisa para que o seu maior sentimento continue intacto. O cisne abre as suas asas enquanto a neve cai, canta para a aurora que ali o acompanha, espera o crepúsculo se iniciar e com ele a noite estender o seu manto escuro e brilhante sobre o céu. Há tantas dimensões em Vespertine, mais cores que o cinza que o representa, há tantos sentimentos que é até uma ofensa falar que é um álbum que só narra sobre o amor e o sexo. E a harpa, representando o canto final do cisne, nos últimos quarenta segundos da música, dando adeus ao mundo onírico e aconchegante e voltando ao mundo real, pesado e cruel. É como dar adeus a um melhor amigo, é como fechar os olhos e acordar de volta ao frio que não é mais acalentador. Nada de montanhas incrustadas de auroras caleidoscópicas, nada de trilhas entupidas de neve, nada de odes ao amor e ao calor frenético do sexo. São coisas tão preciosas, tão perfeitas em suas próprias essências, que apenas uma música como essa, escondida num mundo secreto, é capaz de expressar.







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Andrew Oliveira & Black Cherry

2 comentários:

  1. Adorei, vou correndo baixar (e até comprar se gostar) o album. Análise muito boa!

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  2. ADOREIIIIIII o texto...

    mto elucidativo pra alguem (eu) que nao tem tta intimidade com a Bjork...

    como jah te disse antes... adorei a riqueza de vocabulario... vc consegue exprimir/traduzir a dimensao do sentimento.

    Bjork: amada por mtos, odiada por ttos outros... Dificil mesmo eh descobrir uma opiniao neutra rs

    bgss

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