Solitude, darkness and love


"I don't wanna admit, but we're not gonna fit"

sábado, 11 de junho de 2011

The Birds - Capítulo 2

- Eu não consigo entender. - disse Scarlett, enquanto corria ao lado de Madalena, atrás de José, Khaydan, Khayran e na frente de Rhett e Angelina - Como o dia pode passar tão rápido assim?

- Há coisas que simplesmente acontecem dentro desse lugar... - arfou Madalena, a cada minuto olhando para trás.

- Temos que ir mais rápido, as luzes já começaram a se apagar. - anunciou a voz máscula de João, e era uma total verdade. - A toca é na outra sessão.

- Outra sessão? - questionou Rhett, quase gritando de desespero. - Quantas sessões tem nesse lugar?

- Não sabemos, temos a impressão de que esse lugar não acaba. - respondeu Angelina, ao seu lado.

José deu um encontrão na porta no final daquele extenso corredor, e quase todos se espatifaram uns com os outros também com a parada súbita. Scarlett olhou para trás, e a escuridão já estava chegando mais perto, ela não estava entendendo, mas seu medo era a maior razão naquele momento. Uma a uma, as luzes estavam se apagando, como se tivesse uma criatura invisível dando passos em cima delas, se aproximando com tranquilidade para perto do grupo. Rhett suou frio ao ouvir um farfalhar de asas que ele conheceu durante cinco dias sem comer nem tomar banho. Um grito mastigou a sua garganta, mas ele resolveu permanecer calado, da última vez que gritou, o chão da cela tremeu e ele pôde distinguir na escuridão uma alegoria de patas nojentas dançando nos ferros das grades, enquanto guinchos agudos insuportáveis se propagavam no ar. Sua espinha dorsal se contorcia de nervosismo só de lembrar.

- Es... Está chegando! - ele balbuciou.

- Tenha calma, Rhett. - Angelina tentou tranquilizá-lo.

- Se afastem. - José fez um pedido difícil para eles cumprirem.

O homem corpulento e de brilhante pele escura levantou seu grosso machado e arrebentou a maçaneta e a tranca da porta de uma vez só. Chutou-a e entrou, com Khaydan e Khayran logo atrás falando para os outros atrás deles. Após a porta, uma escada em espiral branca e extensa foi feita de saída. José subiu pulando de dois em dois degraus rapidamente, e o grupo tentava fazer o mesmo, até a desajeitada e pequena Angelina, que ainda falava de tudo para tranquilizar Rhett.

As luzes lá embaixo iniciaram seu ritual de apagamento, como que rindo da desgraça daqueles pobres seres humanos que subiam desesperadamente os degraus infinitos. José finalmente parou de frente para uma porta, e também a arrebentou com sua arma furiosa. E então, mais um corredor para correr.

- Estou ficando cansada. - disse Scarlett, em meio a respiração acelerada e os batimentos cardíacos irregulares.

- Só mais um pouco. - disse Madalena, fitando-a com um pouco de tristeza.

Após cinco metros longe da porta mutilada, esta se fechou sozinha com uma batida estrondosa e a escuridão também chegou no novo corredor. Rhett soltou um gemido de choro e Angelina segurou sua mão, quase que instintivamente.

- Vai ficar tudo bem. Você está conosco agora. - ela disse, com um sorriso amargo.

Eles dobraram do corredor para um amplo salão triangular, onde lâmpadas fosforescentes e dezenas de computadores gigantes de última geração cobriam as paredes. José se apressou para um canto, e arredou uma máquina descobrindo ali uma porta de ferro que não se podia destruir, pegou uma chave e a destrancou, pedindo para que Madalena, Scarlett e Angelina entrassem primeiro, e elas logo entraram. Ele foi o último a penetrar, enquanto assistia silenciosamente o salão se apagar misteriosamente. Fechou e trancou a porta, sem ao menos se lembrar de que tinha que respirar.

Estava escuro. Rhett se encolheu no colo de uma Angelina encostada numa parede, e um lampião se acendeu, iluminando o rosto cintilante de suor de Madalena, que com a ajuda de Khaydan e Khayran, acenderam outros lampiões. Scarlett se sentou num canto um pouco mais distante dos outros, abraçando a si mesma num sinal de insegurança, enquanto fitava indiscretamente Rhett chorar em silêncio e Angelina afagar seus cabelos. Khayran também se acomodou nos braços de Khaydan, como que num toque fraternal da qual somente eles poderiam compreender. Madalena e José se acomodaram em caixas de madeira, e assim todos permaneceram por um tempo, um observando o outro, conversando sem precisar falar.

- Eu costumava criar roupas... - disse Angelina, ainda acarinhando o adolescente – Até comecei a fazer sucesso, e um dia antes de eu conceder uma entrevista para a Vanity Fair, acordei aqui, no meio de um monte de... - ela engoliu em seco – corpos em estado de decomposição, presa numa cela pequena e apertada, eu iria morrer sufocada e infectada se minha namorada não me visse e me tirasse de lá.

“ Então olhei para trás, e vi onde eu estava uma única vez. Todas aquelas pessoas tinham cabeças de corvos, enormes, do tamanho de suas cabeças humanas, algumas ainda abriam seus bicos como que anunciando que estavam vivas por enquanto, talvez pedindo por salvação... Mas eu estava com tanto medo e desespero que não dei a devida importância para algo tão estranho e... surreal. Por que eu havia acordado lá? Nunca soube responder...

Minha namorada se chamava Zooey, e ela sempre tinha esse poder de conseguir me encontrar onde quer que eu estivesse...

No primeiro dia, Zooey eu obviamente não sabíamos o que fazer nesse lugar, e as luzes começaram a piscar, e depois a se apagar, uma a uma. Encontramos uma pequena sala de compartimentos de higiene e nos escondemos lá, até ficar quente e os barulhos cessarem. Saímos e passamos mais outro dia caminhando e procurando alguma coisa para comer, mas quanto mais caminhávamos pelos corredores mais pareciam que eles não acabavam. Zooey começou a ficar descontrolada com isso... passou a gritar, a correr sem medo quando ficava escuro, e eu fazia de tudo para acalmá-la, e tudo era em vão.

No quarto dia, conseguimos achar um pequeno compartimento oculto sob um tapete, onde tinha garrafas de água suficientes para mais quatro dias, comida enlatada e – ela parou para rir – um abridor de lata. Mas ela já estava completamente insana, e nada do que eu dizia ou fazia ou tentava fazer era capaz de deixá-la quieta. Até que numa “manhã”, ela não estava mais no esconderijo comigo. Tinha desaparecido sem deixar rastro algum, e dessa vez quem ficou desesperada fui eu.

Eu saí em busca dela, é claro, e passei a correr e gritar e fazer barulho nas grades das celas como ela, enlouquecida. Eu acabei ficando longe demais da minha toca atual, e o dia estava iniciando sua “noite” aqui dentro, eu não tinha lugar algum para me esconder, até que eu pude ouvir os gritos de Zooey, e todas as luzes se apagaram de uma vez.

Fiquei estática, meus pés não queriam se mover, estava com tanto medo daquele barulho de asas e de guinchos, de línguas serpenteando por todos os lugares... Tudo o que consegui fazer foi tentar gritar, mas nem minha voz saía mais. Ela só conseguiu sair quando senti duas fileiras de dezenas de patas pontiagudas nas minhas costas, me arrepiando e me deixando mais instintiva do que já estava...

Tirei minha blusa e a sensação sumiu, então voltei a correr e a gritar por Zooey e as luzes piscaram, como que brincando com as nossas vidas. E depois tudo se silenciou e a ficar escuro mais uma vez, eu desmaiei.

Quando acordei, estava sentada e apoiada numa parede quente, segurando a cabeça de Zooey, e vendo-a logo mais adiante, com uma cabeça de corvo acima do seu pescoço, ela estava piando e eu pude ver que lágrimas saíam dos seus olhos que não eram seus. Eu abandonei sua cabeça original e fui em direção ao corpo.

Seus braços e pernas estavam escamosos, sua barriga se mexia como se tivesse uma criatura ali dentro, ela pulou em cima de mim e tentou me matar, mas quem matou no final fui eu, pisando na sua cabeça até seu bico quebrar e seus olhos estourarem das órbitas. Eu não tinha mais nada. Estava tudo acabado para mim.

E eu fiquei ali, sentada até quando ficava escuro. Por incrível que pareça nada aconteceu comigo, por mais que eu desejasse que acontecesse.

Três dias se passaram até Khaydan e Khayran passarem naquele corredor e me avistarem, me acolherem e me salvarem. Quando chegamos na toca deles, eu acabei conhecendo também José e Madalena, e mais um grande quantidade de pessoas...

Um ano se foi, e eu só luto pela minha sobrevivência agora pela memória de Zooey que me salvou, e nada mais. Aqui estou.

- O que aconteceu com a grande quantidade de pessoas? - perguntou Scarlett, aflita e chocada com toda a trajetória de Angelina, olhando de um lado para o outro lentamente.

Angelina apenas sorriu tristemente, e abaixou a cabeça para admirar os longos cílios de Rhett, nas suas pálpebras intocáveis que descansavam seus olhos esquizofrênicos, num sono profundo. Anjo raptado.


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Black Cherry

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