Antes disso, uma alvorada de gaivotas uivou no céu sépia.
O rapaz o fitou pelo que pareceu um longo instante, quando na verdade foram-se apenas vinte e dois segundos. Vinte e dois segundos para tudo isso? Aliás, o que era isso? O que era aquele rosto espesso e cabisbaixo como uma máscara flutuando no inverno de um coração partido? Corações não se partem, ele pensou, é claro que não se partem.
Corações se despedaçam.
Como um espírito perdido num campo de trigo. Um campo tão dourado quando os cabelos do Pequeno Príncipe a açoitar o vento num cometa distante da mais pura alegria melancólica. Espírito de papel. Amassado, jogado fora, esquecido.
Mais adiante, a face dele permanecia inexorável, infindável na sua agonia de ser triste e trágico. Por que ele estava tão triste? Por que diante de tantas possibilidades ele estava triste? Ali, debaixo daquela árvore frondosa e alaranjada e acolhedora, sombreando a grama como um buquê de flores flutuantes, quase cinco e meia da tarde. Um sol morno e nem tão simpático, apenas naquela insignificância e egoísmo. A escuridão parecia muito mais tentadora.
Então ele ficou por mais um pouco de tempo, a admirar a beleza daquela melancolia inalcançável, e seus lábios ressecaram com o frio do outono, num ato tão súbito quanto o coito de dois olhares a faiscarem num segundo fotografado. A árvore outonal que o abraçava estava velha, cansada e desanimada, talvez acostumada com aquele garoto ali, na espreita de seus galhos maternos, tal um filhote de leão perdido. Leão abandonado.
O rapaz decidiu se aproximar, com certa hesitação, se aproximou, mas nada de mais aconteceu. O garoto permaneceu intacto, um vegetal admirando os próprios pés. Então ele pôs um joelho no chão e abriu a garganta.
- Por que ficas aí? – ele perguntou.
O garoto não respondeu. Então ele tentou novamente.
- Por que estás tão triste?
O garoto levantou o rosto. Não estava úmido de lágrimas como ele pensava que estaria, estava apenas exausto e levemente soturno. Mas nada que pudesse assustar, nada disso.
- Por que te interessas a minha tristeza?
- Porque sempre permaneces aí, como se só existisse esta árvore para ti.
- Talvez só exista ela, mesmo...
- Não te cansas de ser tão desanimado?
- Por que eu deveria me cansar?
- O que te aconteceu?
- O que me aconteceu?
O olhar do garoto pareceu ainda mais triste do que qualquer demonstração de tristeza que o rapaz poderia presenciar algum dia. Era uma flor murchando antes mesmo de nascer.
- Não me aconteceu nada... – ele respondeu.
- Não pode ter acontecido nada. – o rapaz questionou.
- E por que não? – ele rebateu.
O vento açoitou os cabelos negros e lisos do rapaz, como um sopro tão próximo que ele poderia jurar ter sentido sua própria personificação ali.
- Sempre há alguma coisa, não é?
O garoto finalmente desistiu.
- Estou triste porque eu não sou nada.
- Isso não faz sentido...
- Faz todo o sentido do mundo.
- Por que você não é nada?
Foi algo parecido com magia, o garoto olhou para o céu, uma lágrima desceu do seu olho direito, e então começou a chover. Não, ainda não era chuva, era apenas uma garoa, meio morna meio gélida, uma pequena demonstração de inconstância.
- Eu não tenho certeza sobre os meus sonhos, não tenho certeza sobre coisa alguma... – ele voltou a velar o olhar do rapaz. – Venha cá, deixe-me contar a você um segredo.
O rapaz não hesitou. Sentou-se ao seu lado e aproximou a orelha dos lábios do garoto, e o garoto contou seu segredo. O rapaz compreendeu, como não compreender? E o garoto pôs a cabeça de lado sobre o seu ombro, apenas aquilo, apenas aquele mínimo ato sobre a fúria do outono, nem um pouco mais.
O rapaz chorou, e a alvorada de gaivotas o levou embora.
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Andrew Oliveira
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