Solitude, darkness and love


"I don't wanna admit, but we're not gonna fit"

domingo, 5 de junho de 2011

Cristal

Antes disso, uma alvorada de gaivotas uivou no céu sépia.

O rapaz o fitou pelo que pareceu um longo instante, quando na verdade foram-se apenas vinte e dois segundos. Vinte e dois segundos para tudo isso? Aliás, o que era isso? O que era aquele rosto espesso e cabisbaixo como uma máscara flutuando no inverno de um coração partido? Corações não se partem, ele pensou, é claro que não se partem.

Corações se despedaçam.

Como um espírito perdido num campo de trigo. Um campo tão dourado quando os cabelos do Pequeno Príncipe a açoitar o vento num cometa distante da mais pura alegria melancólica. Espírito de papel. Amassado, jogado fora, esquecido.

Mais adiante, a face dele permanecia inexorável, infindável na sua agonia de ser triste e trágico. Por que ele estava tão triste? Por que diante de tantas possibilidades ele estava triste? Ali, debaixo daquela árvore frondosa e alaranjada e acolhedora, sombreando a grama como um buquê de flores flutuantes, quase cinco e meia da tarde. Um sol morno e nem tão simpático, apenas naquela insignificância e egoísmo. A escuridão parecia muito mais tentadora.

Então ele ficou por mais um pouco de tempo, a admirar a beleza daquela melancolia inalcançável, e seus lábios ressecaram com o frio do outono, num ato tão súbito quanto o coito de dois olhares a faiscarem num segundo fotografado. A árvore outonal que o abraçava estava velha, cansada e desanimada, talvez acostumada com aquele garoto ali, na espreita de seus galhos maternos, tal um filhote de leão perdido. Leão abandonado.

O rapaz decidiu se aproximar, com certa hesitação, se aproximou, mas nada de mais aconteceu. O garoto permaneceu intacto, um vegetal admirando os próprios pés. Então ele pôs um joelho no chão e abriu a garganta.

- Por que ficas aí? – ele perguntou.

O garoto não respondeu. Então ele tentou novamente.

- Por que estás tão triste?

O garoto levantou o rosto. Não estava úmido de lágrimas como ele pensava que estaria, estava apenas exausto e levemente soturno. Mas nada que pudesse assustar, nada disso.

- Por que te interessas a minha tristeza?

- Porque sempre permaneces aí, como se só existisse esta árvore para ti.

- Talvez só exista ela, mesmo...

- Não te cansas de ser tão desanimado?

- Por que eu deveria me cansar?

- O que te aconteceu?

- O que me aconteceu?

O olhar do garoto pareceu ainda mais triste do que qualquer demonstração de tristeza que o rapaz poderia presenciar algum dia. Era uma flor murchando antes mesmo de nascer.

- Não me aconteceu nada... – ele respondeu.

- Não pode ter acontecido nada. – o rapaz questionou.

- E por que não? – ele rebateu.

O vento açoitou os cabelos negros e lisos do rapaz, como um sopro tão próximo que ele poderia jurar ter sentido sua própria personificação ali.

- Sempre há alguma coisa, não é?

O garoto finalmente desistiu.

- Estou triste porque eu não sou nada.

- Isso não faz sentido...

- Faz todo o sentido do mundo.

- Por que você não é nada?

Foi algo parecido com magia, o garoto olhou para o céu, uma lágrima desceu do seu olho direito, e então começou a chover. Não, ainda não era chuva, era apenas uma garoa, meio morna meio gélida, uma pequena demonstração de inconstância.

- Eu não tenho certeza sobre os meus sonhos, não tenho certeza sobre coisa alguma... – ele voltou a velar o olhar do rapaz. – Venha cá, deixe-me contar a você um segredo.

O rapaz não hesitou. Sentou-se ao seu lado e aproximou a orelha dos lábios do garoto, e o garoto contou seu segredo. O rapaz compreendeu, como não compreender? E o garoto pôs a cabeça de lado sobre o seu ombro, apenas aquilo, apenas aquele mínimo ato sobre a fúria do outono, nem um pouco mais.

O rapaz chorou, e a alvorada de gaivotas o levou embora.



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Andrew Oliveira

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