Solitude, darkness and love


"I don't wanna admit, but we're not gonna fit"

quinta-feira, 9 de junho de 2011

The Birds - Capítulo 1

Suas costas deram uma pontada dolorosa, seu nariz se reprimia com o odor de urina forte e asqueroso que emanava em todo lugar, metade da sua face estava úmida e de molho na poça no chão frio e sujo. Scarlett abriu os olhos e outra pontada, agora na cabeça, quase a nocauteou. Ela olhou para as três paredes, todas fechadas, sem conseguir explicar o que estava acontecendo. E apenas uma era visível para o lugar que, aparentemente, era grande, e estava toda gradeada. Scarlett era um passarinho numa gaiola imunda, de um calor claustrofobicamente abafado.
Uma outra criatura se moveu, debaixo de uma coberta escura, como uma barata grande se espreguiçando, apoiada num canto mais escuro. Scarlett esperou um minuto até que ela pudesse fazer alguma coisa, mas não fez.
- O... Olá? – ela perguntou, medrosa.
Uma cabeça saiu das cobertas, uma cabeça descabelada e tão imunda quanto a cela, como que brotando da terra. Um adolescente branquelo e irritado. Bochechas rosadas, lábios finos e róseos, olhos azuis e enormes e cabelos negros desgrenhados. Um verdadeiro anjo malicioso de Botticelli num inferno descarado de Bosch.
- O que é? – sua voz era arrogante.
- Você sabe como... como eu ou nós paramos aqui?
- Sei tanto quanto você.
Suas feições de estresse se transformaram em angústia, um leve desespero.
- Você está bem?
- Você estaria bem acordando num lugar desses?
- Me desculpe eu...
- Relaxa. Agora que você acordou, há uma cabeça a mais para pensar em como sair daqui.
- Você já pensou?
Ele fechou sua cara, realmente irritado.
- Acha que eu estava fazendo o quê? Dançando Lady Gaga?
- Escute aqui garoto, eu não sei o que fiz para você estar sendo tão mal educado comigo. Se você quer trabalhar em dupla, é melhor ser um pouco menos estressado.

Ele bufou, se desvencilhou do cobertor e tocou na parede, estava quente, era manhã lá fora, ou não.
- Tem sol lá fora. Está seguro para tentar sair daqui.
- Seguro? O que acontece pela noite?
- Barulhos, barulhos estranhos. Guinchos, zunidos, asas...
Scarlett arregalou o olhar.
- Eu fico com muito medo, e por aqui fica tudo escuro, então eu uso esse cobertor pra abafar um pouco esses barulhos e tentar dormir. Quando a parede fica quente, quer dizer que é dia lá fora, então as luzes se acendem aqui dentro, e aí fica tudo silencioso.

- Você nunca percebeu ou ouviu uma coisa mais... Humana? – ela gaguejou.
- Não.
- Você está há quanto tempo aqui? Aliás, você viu como eu cheguei aqui?
- Não sei. Eu acordei e você estava aí, acho que deve ter passado quatro dias até você acordar. Eu percebi que as regras desse lugar funcionam assim no final do segundo ou terceiro dia, acho... Aliás, meu nome é Rhett.
Ele parou, olhou para os pés cheios de unhas bordadas com o preto da sujeira, e então voltou-se para ela.
- Você se lembra do que estava fazendo antes de acordar aqui? Se estava na sua casa ou trabalhando?
- Eu... eu não sei. Só me lembro de ter assistido pela madrugada uma notícia de última hora e bastante estranha, e então eu dormi. Devia ser quinze de maio.
- Hoje é dezenove.
Outra vez, seus olhos pularam das órbitas.
- Como você sabe?
Ele levantou o braço e apontou para além da grade. Numa parede, havia uma espécie de máquina retangular residindo bem no meio, dizendo que era dezenove de maio em letras eletrônicas sob um fundo esverdeado.
- Por que não diz as horas?
- Parece que temos que saber por conta própria os horários.
Um barulho ensurdecedor começou, e depois passos apressados ecoaram pelos corredores como marca-passos assustadores. Rhett se encolheu num canto da parede de volta, a luz dentro da cela se acendeu, e o coração de Scarlett rufou e quase quebrou sua caixa torácica, seguido por uma série de arrepios.
- Ahh... AAAhh... – gemia Rhett, traumatizado com aquilo. – Não pode haver barulho durante o dia, não pode haver barulho durante o dia... – falava para si mesmo.
O barulho foi seguido por uma gritaria, e depois um pedido de silêncio. Scarlett pôs a mão entre os seios, pensativa. Sim, eram outras pessoas!
- EI! AQUI! – gritou. – ESTAMOS AQUI!
Rhett se levantou num pulo.
- Você está louca?
- Estou louca para sair daqui, Rhett.... EEEEEIIII! AQUIIIIIIII!
- Tem gente naquela direção! – disse o eco de uma voz feminina. – Vamos ver!
O rosto de ambos se iluminou. Um grupo de cinco pessoas, três homens e duas mulheres, chegou com vigas de ferro e facas nas mãos. Scarlett abriu a boca em suave medo, mas logo foi acalmada.
- Não precisa ter medo. Vamos ajudá-los e não matá-los. – sorriu uma das mulheres, de pele negra e cabelos crespos, tranquilizando os dois prisioneiros.
- Agora, se afastem da grade. – disse um dos homens, também negro, musculoso, segurando um grande martelo.
Bastaram duas fortes marteladas no cadeado enferrujado para este se destrancar. Rhett saiu como uma lebre ansiosa da cela, olhando apressadamente para todos os lados. Scarlett teve que ser a educada.
- Obrigada. – disse, tentando sorrir tanto quanto a mulher negra.
- Por nada. – disse o homem negro. – Bem, vamos logo nos apresentar, eu sou José.
- Eu sou Madalena. – disse a mulher negra.
- Khaydan. – sorriu um dos homens, de pele mestiça e olhos castanhos. – e esse é meu irmão gêmeo Khayran. – e postou a mão direita sobre o ombro de Khayran.
- Angelina. – apresentou-se a outra mulher, loira, baixinha, com grandes seios e grandes olhos esverdeados.
- Meu nome é Scarlett, e aquele garoto é o Rhett. – disse Scarlett, meio constrangida com o comportamento excêntrico de Rhett.
- Ele está bem? – perguntou João, assistindo Rhett correndo para lá e para cá.
- Acho que sim. Só é um pouco neurótico. – e deu um meio sorriso.
José fechou a expressão risonha para um ar preocupado, entrou na cela arregaçada e tocou na parede. Estava morna.
- Essa não. – ele anunciou.
- Aconteceu de novo? – perguntou Angelina, seus olhos eram duas petecas assustadas.
- Sim. Temos que nos apressar e voltar para nossa toca.
- Toca? – perguntou Scarlett.
- É um dos refúgios seguros que existem por aqui. – explicou Madalena.
- Vocês estão aqui há quanto tempo? – questionou Rhett, parecendo agora menos afoito.
- Um ano. – respondeu Khaydan, com um meio-sorriso mórbido.
Scarlett e Rhett respiraram fundo. E então voltaram a si.
- O que aconteceu de novo? – Rhett estava com as bochechas mais rosadas do que o habitual.
- O dia está passando rápido. E isso é muito, muito ruim quando você está um pouco longe da toca. Vejam. – Madalena apontou para o calendário eletrônico.
Scarlett sentiu um arrepio tenso e horrendo percorrer pelo seu corpo, seguido de Madalena que segurou sua mão e a mão de Rhett, e todos correram num silêncio estuprado com o barulho de uma campainha estridente e violenta. As luzes começaram a piscar, como que anunciando a chegada da noite prematura. O calendário eletrônico marcava vinte de maio, e embaixo da data, um anúncio.
“Hora de despertar”.



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Black Cherry

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