Solitude, darkness and love


"I don't wanna admit, but we're not gonna fit"

sábado, 7 de maio de 2011

A Borboleta de Amanhã


Era uma vez uma borboleta, uma linda borboleta azul com bordas douradas e desenhos espirais e negros enfeitando as suas asas. Qualquer um poderia se enganar com a sua beleza, e essa era a sua maior arma. Mas não era uma borboleta travessa, perversa, do contrário, era tão ingênua que a própria ingenuidade se irritava com ela.


Toda manhã, ela tomava a forma de uma linda garotinha com um vestido azul, tão bonito quanto suas asas mágicas, e então, se alimentava com flores de cerejeira e bebia das fontes mais puras numa floresta purificada por Amaterasu. Amaterasu era a deusa da luz, que as vezes bem gostava de se esconder numa caverna, e deixar a humanidade em completa escuridão.

Amaterasu nutria um suave sentimento de afeto pela borboleta, que logo se tornou amor. A deusa fazia questão de deixar o dia mais longo antes do meio dia para a borboleta, antes dela voltar à sua forma original, alada, um inseto-anjo. Mas a borboleta nunca soube da existência de sua protetora, era uma borboleta vaidosa.

Certo dia, um príncipe de um reino que residia acima de um rinoceronte gigante surgiu na floresta de cerejeiras para descansar o corpo e a alma, após uma dura batalha que decidiria se ele era mesmo da linhagem da Luz, e assim se tornar rei de sua terra natal. Mas ele era possuidor de um severo segredo, que não contaria nem para o próprio reflexo. Isso fez com que Amaterasu percebesse uma energia que provinha de sua alma e já começava a afetar a pureza do lar da borboleta. Amaterasu tinha ciúmes.

Era nove horas matutinas quando a borboleta tomava seu banho em forma de menina, exalando um aroma transcendental que se propagava no ar e deixava toda a floresta com partículas cintilantes da mais poética vida que ali residia. E após enxugar-se com pétalas de crisântemos, ela logo percebeu o príncipe mais adiante lavando o rosto com suas mãos fedendo a guerra, esverdeando a água azul-celeste. Mas a borboleta não ficou horrorizada, ela ficou curiosa, instigada.

- Quem és tu, que invades o meu lar e polui a minha água? - perguntou ela, tocando no ombro forte e ferido do rapaz.

- Estava com sede, estava cansado, precisava beber e me sentar. - ele respondeu, sua voz era melodiosa e cansada da guerra.

- Já realizaste teu desejo? Então some-te daqui. - ela disse.

- Por que a pressa? Por que não posso ficar mais um pouco?

- Porque não te quero mais aqui, e é só.

O príncipe foi embora, sem entender coisa alguma, e a borboleta pôs-se a chorar. Na verdade, ela não sabia como deveria se aproximar dele, e acabou o tratando mal, em vez de ser gentil e sedutora. Mas o que era este poder de sedução? Sedução? De onde veio esta palavra tão estranha?

A borboleta passou do meio dia em forma de menina e descobriu o mistério da sua carne, tornando-se mulher de um minuto para o outro. Ela correu para o reflexo da água esverdeada e viu uma esplêndia mulher olhando para ela. Esta sou eu agora? O que eu faço?

Ela havia passado do meio dia em forma de menina porque Amaterasu esquecera-se dela, e foi-se recolher num canto do céu para lamentar a perda da inocência de sua tão bela borboleta. Mas a borboleta, além de vaidosa, também era egoísta, ela não percebia nada ao seu redor.
E então, ela decidiu correr em busca do seu príncipe, nua e libertina, agora mulher e nunca mais menina. E não ligou para o quilômetro que se passou com isso, entrando num deserto, mas encontrando o ponto no horizonte que era ele. Amaterasu teve um terrível sobressalto com tamanha ousadia, que depois se transformou em raiva. Furiosa, deixou-se ferver e se transformou num sol escaldante, secando os lábios dos dois amantes que jamais foram.

- Príncipe! Príncipe! - ela gritava, os pés queimados.

- Estás louca? O que fazes nesse deserto? - ele disse.

Ela não respondeu. Não conhecia aquilo que fazia seu coração dilatar e acelerar quando via o rosto do príncipe, ou como seu corpo formigava mesmo sem estar debaixo do sol. Ele riu.

- Tu me amas?

Ela não respondeu. E ele a profanou. Era um príncipe que vivia em busca de se deleitar com o sabor da pureza, e esse era um grande segredo.

A borboleta passou dias e dias alí, deitada na areia fervente do deserto, sem nada mais a fazer. Amaterasu agora era apenas o sol, que não tinha mais consciência alguma, e também nada poderia fazer pela criatura impura.

Até que uma velha bruxa surgiu vagando no deserto, com um grande manto branco cobrindo-lhe o corpo, e um enorme chapéu redondo e cônico de palha, fazendo-a parecer uma larva enfeitada. Ela avistou a borboleta deitada e nua na areia, quase se enraizando, e então fez uma proposta:

- Me dê este teu poder de se transformar em borboleta e eu me vingarei por ti a quem te fez esta profanação.

- Não é um poder, é uma maldição. Certo dia, uma outra bruxa, com inveja da minha pureza, me rogou esta praga eterna, mas agora sem a inocência, não sou mais nada.

- Mas eu a quero.

- Fique com ela, faça o que quiser.

- A bruxa tomou a maldição da criatura, e naquele deserto se fez um grande oceano, que futuramente dividira dois extensos países naquele mundo conturbado. Pouco depois, ela descobriu onde o príncipe estava, amaldiçoando-o com a imortalidade e fazendo dele um arauto da morte, um homem com hálito de sangue e poderes que só causariam dor e destruição. Este era o preço por sugar tanta inocência.





~




Black Cherry

Nenhum comentário:

Postar um comentário