Solitude, darkness and love
"I don't wanna admit, but we're not gonna fit"
terça-feira, 6 de abril de 2010
Os sobreviventes
Despertou como sempre sem alguma pista de entusiasmo, não queria mais estar naquele ambiente tão nostálgico, as boas lembranças a maltratavam como num tripalium, as chamas de seus olhos desejando voltar, seus desejos se apagando, sua solidão debochando da sua cara, tudo lhe vinha na cabeça por toda santa manhã, e durava até o fim de um dia. Resolveu levantar.
A guerreira se preparou para mais uma batalha arrumando suas malas, levando algumas lembranças consigo, dando seu último banho naquela casa de ambiente etéreo, de paredes azul-bebê lembrando os céus, um céu de baunilha, quem sabe!? Também visitou pela última vez o quarto de sua melhor amiga, sua falecida mãe Rosário, de cabelos acinzentados como as íris de Alice, e de sorriso jovial que lembravam girassóis num campo.
Não queria mais carregar aquela dor, ela também tinha que partir para outros mundos, e tentar uma nova vida, dessa vez, na cidade grande, que guardava grandes possibilidades para a moça.
Álcool e muita gasolina infestavam a casa, nos móveis, nas paredes, nas camas; se eu não ficar mais aqui, ninguém mais pode ficar aqui também.
Alice fugia para um novo mundo enquanto sua antiga casa transformava-se numa enorme tocha de dores, alegrias, mortes e cinzas.
Um pequeno apartamento já estava reservado para ela a partir de uma rápida ligação, só restava esperar os móveis, que chegaram ao fim de uma tarde. Sua pequena nova vida estava quase pronta, resolveu sair para beber um café, pois não estava com vontade alguma de dormir.
A cidade era tão iluminada que Alice perguntava-se se não era um pedaço do dia que as pessoas de lá guardaram para iluminar mais a noite, até fazer a lua sumir, mas que bobagem, a lua ainda estava lá! E estava tão cheia de si, tão brilhosa e vaidosa quanto o sol. Entrou numa lanchonete perto de um beco escuro, era uma daquelas corajosas lanchonetes das madrugadas, eles não deveriam ter medo de morrer? Alice permaneceu lá até altas horas da madrugada, imaginando que ficaria dormindo ao resto do próximo dia, não estava muito afim de jogar futebol cansativo e inacabável da vida, por enquanto. Apesar disso amava o sol e a lua como uma terceira amante, deveria não amar? Mas o que isso importa? Que bobagem! Por um momento pôde perceber a presença de alguém correndo, mas não deu muita importância para isso.
Dois policiais passavam perto da porta da lanchonete, com isso, Alice resolveu sair, sentindo-se até um pouquinho mais segura de si, apenas um pouquinho. Ao andar perto do beco pôde ouvir gemidos de um ser completamente desconhecido de seu mundo.
Suas asas estavam quebradas, sua roupa branca estava manchada de escarlate, seus olhos inchados e avermelhados como os de Alice, seu belo rosto e perfeito corpo completamente desfigurados de arranhões, cortes, socos e estupros.
Por que as metrópoles tão cheias de luzes e cores metálicas não gostam dos anjos?
Por um milésimo de segundo Alice queria pensar: “eu poderia estar pior, estar como ele, afinal...”, mas seu coração cheio de angústias não a deixou pensar muito ordenadamente naquela hora, a visão de um anjo na porta do inferno era indescritível, por pouco conseguiu gritar para os policiais que já estavam prestes a atravessar o canto de uma avenida, e eles imediatamente correram em direção a jovem.
- A... Ajudem... Esse menino, por favor!
Alice chorava como se chora uma menininha ao ver seu animal de estimação atropelado no meio da rua.
Dona Aurora pariu mais uma manhã nublada, talvez estivesse com medo ou apenas triste demais para se mostrar. Lucas observava a sua mãe sorrindo como nunca para ele, ela estava tão feliz, tão bela e satisfeita, ao menos aparentemente, então, resolveu descer as escadas e acordar.
Um teto branco foi a primeira visão do rapaz, até sentir sua respiração e perceber que estava vivo, tentou levantar-se mas as dores pelo corpo eram terríveis, fechou a mão e todos os acontecimentos da noite passada voltaram à sua cabeça atordoada, algumas vezes ele desejava viver os futuros dias como se fossem novos, como se ele tivesse acabado de nascer com uma mente nova, um corpo novo, uma alma nova e indestrutível. Mas ele era de carne e osso, coração e dentes, e isso fazia dele mais um escravo da sociedade.
Alguém estava o observando, decidiu olhar para perto da janela que entregava a vista do céu cinza, deparou-se com uma moça de beleza exótica, cabelos negros e olhos tão cinzas quanto aquele pequeno céu da janela.
- O... Olá! - Assustou-se.
- Finalmente você acordou. - Sorriu Alice.
- Desculpe, eu a conheço?
- Eu sou a sua salvadora. - Ainda sorria.
- Ah... Obrigado... - Abaixou a cabeça.
Poderia imaginar mil coisas sobre Alice, mas ainda se perguntava o porquê de ela estar ali, ela deveria ser uma heroína anônima, não deveria?
- Você não parece estar muito feliz por estar vivo agora, afinal, por que você estava naquele estado quando eu te encontrei?
- Eu... Fui estuprado...
Alice arregalou os olhos.
- Eu sou garoto de programa, como não consegui atingir minha cota noite retrasada e nem ontem, eu quebrei uma promessa e meu cafetão ordenou que me assassinassem...
Alice ainda não entendia, o anjo estava tão atordoado...
- Mas por que essa decisão tão drástica? Se era uma promessa você poderia consertar...
- Bem vinda ao meu mundo... Droga!
Era um anjo desbocado, na verdade passou a ser desbocado depois que voltou de Paris.
- Por que “Droga”? - Alice era cheia de perguntas.
- Eu finalmente havia encontrado a minha mãe...
- É porque ela quer que você ainda viva!
- Por que você tem tanta certeza disso?
- Ué? Afinal, não é o que toda boa mãe quer?
O anjo finalmente sorriu.
- Sabe, eu também perdi a minha mãe, faz uma semana, e o mais estranho de tudo foi aguardar por esse dia...
- Por quê?
- Eu já sabia do dia de sua morte...
Lucas se assustava com Alice.
- Você sempre sabe de tudo?
- Só o que me disseram no país das maravilhas. - Brincou Alice.
- E o que te disseram?
- Que meu fim estaria mais próximo quando eu te conhecesse. Você é o motivo da minha morte, Lucas.
Andrew Oliveira
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