Solitude, darkness and love


"I don't wanna admit, but we're not gonna fit"

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O Sono De Stella



- Venha para Paris comigo, meu belo anjo!

Eram as palavras que eu mais queria ouvir, naquela época, com apenas 17 anos e fugitivo da casa de meu padrasto, cuidando apenas de minha mãe, resolvi aceitar o convite daquele ricaço de 34 anos, ainda preservando uma face de criança travessa e corpo escultural, que me penetrava tantas vezes durante tantos dias de todas as formas e posições possíveis, ele era carinho e parecia me amar tanto, mas uma das maldições que um michê carrega é não poder se apaixonar por nenhum cliente, homem ou mulher, rico ou classe média, eu nunca realmente me importei com isso, já que as minhas verdadeiras paixões estavam mortas, e me mataram também. Ele só era assim comigo pelo meu corpo, e não pelo meu coração, apesar disso me prometeu mil e uma coisas, eu estava tão cego que não enxergava a gravidade das consequências.
O homem excitado carregou-me em seus braços, e, juntos, lavamos nossos corpos suados de sexo numa enorme banheira de hidromassagem da sua deslumbrante suíte.


Assentos, portões, tubulações de ar, janelas maiores do que o local onde eu durmo, pela primeira vez eu estava entrando num aeroporto, tão emocionado e debaixo de uma noite que brilhava tanto quanto Paris nos meus sonhos, todas as minhas roupas foram compradas e vestidas pelo meu cliente, às vezes ele me tratava como uma criança mimada, eu até me sentia meio desconfortável coberto por aqueles panos de grife mais caros do que ouro, pois havia me acostumado a passar dias inteiros andando nu pela suíte do meu amante temporário. A minha primeira vez foi com ele, e ele comprou minha virgindade por uma grana exorbitante, claro que a maior parte foi para o ladrão do meu cafetão. Fui leiloado como um belo objeto de arte, mas não fui feito para se admirar, e sim, para se usar. Ainda gosto de me sentir como uma pintura abstrata, daquelas em que você consegue penetrar no cérebro do artista pelo simples fato de ver de perto sua obra, mas não consegue sair de lá.



Sim, eu sou a pintura de um pesadelo, a escultura de um destino, a tinta que representa uma dor.



Ainda de mãos dadas com aquele homem, vi por uma das janelas gigantes, um avião decolando, e de repente todas as imagens de minha mãe definhando-se lentamente em câncer rodeavam nos meus pensamentos, e me dei conta novamente ao cair na realidade que estava vendendo meu corpo por ela, para pagar todas as despesas dela e curá-la o mais rápido possível. Uma culpa enorme me tomou por deixá-la sozinha no hospital, internada e sem ninguém para conversar ou consolar.
Mas eu tenho que ser forte! Tenho que ter coragem para enfrentar tudo isso por ela! No momento, meu desespero e meus caprichos fizeram um misto de implosões que resultaram numa dor ainda maior, juntando com a culpa, eu estava completamente apodrecido por dentro.
A cada passo que eu dava era uma recordação, mais forte, mais forte, mais forte...

- Eu não sei se devo realmente ir com você, Arthur. - Meu peito doía, apertava, e se acontecesse alguma coisa com a minha mãe e eu não estivesse lá?

- Fique calmo, meu anjo, eu paguei para que vários enfermeiros reparassem a sua mãe enquanto você estiver ausente. - Era óbvio que aquele canalha estava mentindo, mas naquele dia eu estava tão dopado de emoções que cheguei a acreditar.

Um frio na barriga e um arrepio me consumiram quando o avião decolou, meu amante beijou minha boca ressecada, e eu adormeci na minha solidão.
Bocejei, esfreguei os olhos e os abri nem tão ansioso quanto antes. Estava mais frio, e o avião já estava sobrevoando pela cidade da luz, se preparando para pousar. Olhei pela janelinha e meu coração pulou ao ver a torre Eiffel de cima, Paris era tão limpa e poética vista de uma janelinha de avião, eu quase cheguei a sorrir. Mas, por mais que eu fugisse ou voasse para longe dela, a manhã nublada ainda me alcançava.



Eu quero o sol.



Na verdade, não tinha mudado muita coisa, era só mais uma suíte de luxo de sempre, os mesmos vinhos “raros” de sempre, e as mesmas horas de sempre servindo aos desejos sexuais de Arthur. Eu nunca senti prazer transando com Arthur, nem com ninguém, na verdade, era mais nojo e repulsa do que prazer. Arthur era somente um lobo com grana, muita grana, por sinal.
Arthur finalmente estava cansado, já era madrugada, e ele resolveu arrumar suas malas, ele sempre gostava de arrumá-las, assim, se sentia sob controle de qualquer situação.

O telefone tocou, era para mim:

- Lucas falando, quem gostaria? - Falei.

- Lucas, sou eu, o médico da sua mãe. Me desculpe por dizer isso agora, mas eu tenho que falar.

- O que aconteceu? - Me assustei.

- A sua mãe....

- O que tem minha mãe?

- Eu... Eu sinto muito, muito mesmo, Lucas... Descobrimos que ela tinha mais um tumor
na sua cabeça, e que ele se rompeu.....





Desliguei o telefone.












Eu não vou chorar!









Avisei para Arthur que iria sair um pouco, para tomar ar, ele não viu problema, um pouco de ar na hora da morte é respeitável, até.

Eu e os restos de minha vida andamos pelas ruas de Paris lutando um pouco contra o frio seco de lá, que queria me fazer bem, mas eu não deixava.
A noite clareada por prédios, lanchonetes, moteis, postes e pessoas me alienava totalmente, até que o encanto foi quebrado quando ouvi a voz forte e desbocada de uma mulher incrivelmente linda que passava por ali com sua cúmplice noturna, parecia que eu conhecia aquele rosto há tanto tempo, ela se espantou ao me ver de frente para a sua face reclamando do frio, ficou alguns segundos me encarando como se me conhecesse também, até que voltou à sua expressão de desdém e se direcionou a mim:

- O que foi? Vai ficar só olhando ou vai pagar?

- O quê? - Mais um susto.

- Você é otário ou o quê?

- C.... Calma, eu só estava passeando. - Sorri meio torto.

- Honey, não existem pessoas que gostam de passear por entre essas bandas de Paris, existem pessoas interessadas em trepar! - Explicou me olhando de baixo para cima, me senti avaliado.

- Você está bem? - Arrisquei!

- Nunca realmente estive, mas isso faz diferença?

- Para mim faz, eu posso te pagar para ficar comigo. - Sorri.

- E o que você vai querer? - Seus olhos pegaram fogo.

- A sua companhia! - Seus olhos arderam.

Saímos de perto das ruas claras ou andamos por entre outras ruas soturnas, sem preocupação alguma, ela parecia ser tão forte, tão inatingível, era como se eu caminhasse ao lado de uma fortaleza da qual nem os guerreiros lá dentro pudessem sair rumo à liberdade.

- Mas, e então, você tem nome? - Bocejou ela, fingindo um tédio qualquer.

- Eu me chamo Lucas, e você? - Respondi, perguntei.

- Lucas? Gostei do teu nome, garoto. Eu sou Stella, aquela que transforma tua noite em sonho ou pesadelo, o que você quiser. - Sorriu triunfante, e ela tinha razão, eu sentia isso.

- E o que você pode transformar na minha?
Stella sorriu, como se cada palavra minha fosse exatamente o que ela queria ouvir, me senti meio tragado pelos olhos dela, eram olhos profundos que ardiam a cada palavra dita, ou pensada. Mas até o fim daquela madrugada ainda restaria aquele fogo alto, ou apenas poderiam se ver cinzas de uma tristeza escondida, molhada pelas lágrimas?


Eu quero o coração de Stella!




Sentamos num banco de uma praça, acompanhados do frio daquela terra e do calor de nossos corações. Stella me falou de seus gostos, desgostos, perfumes, homens, origens, infâncias, blues e poesia, apesar de desbocada ela era inteligente, muito inteligente. Declamou para mim alguns poemas de Paulo Leminski: “ A noite, enorme, tudo dorme, menos teu nome”

- Quando eu te vi, eu jurava para mim mesma que estava morta sem saber e que havia acabado de ver um anjo, para me salvar. Você é muito lindo!

- Obrigado... - Fiquei rosado.

- Sinta-se lisonjeado, óh! Eu não costumo elogiar qualquer um assim, do nada! Tô louca!

Caí numa gargalhada.

- O que foi? O que tem de engraçado? Eu hein....

- Você é tão espontânea Stella, eu admiro isso. Te achei tão livre.

- Eu sou uma liberdade presa, Lucas. - Pôs seu rosto numa expressão séria.

- Eu sou uma prisão de mim mesmo, Stella. - Olhei para ela, pedindo um pouco de sentimento sincero.

Faz um bom tempo que eu não vejo alguém tão sincero como foi Stella comigo.

- E você, Lucas, está bem? - Stella estava mais séria.
Seus olhos devoradores me fitavam, mas dessa vez era por amor, eu podia sentir que aquelas palavras vinham de sua alma, direto para a minha, eu descobri que Stella era a melhor amiga do mundo. E finalmente pude desabafar.

- Todo patético dia eu acordo e sinto nojo do meu corpo, de mim mesmo...

- Por quê?

- Eu sou como você, Stella. Eu me vendo por dinheiro. Larguei a faculdade para passar dias andando nu pelas suítes dos meus clientes fúteis e sórdidos que gastam mais do que eu gastaria na minha vida inteira. E não importa o quanto eu queira sair desse pesadelo, ele me persegue como toda manhã nublada da minha vida, eu só queria salvar a minha mãe, e agora descubro que ela morreu. O que resta da minha vida agora? Prostituição? - Uma gota salgada caiu de meu olho direito, eu finalmente estava sendo honesto com mim mesmo.

- Todo patético dia eu acordo criando coragem para enfrentar as pessoas que querem me rebaixar, mas elas não conseguem porque eu sou mais forte do que elas, elas não conseguem porque eu brilho, e elas não, não passam de luzes apagadas. - Ela afagou meus cabelos enquanto falava. - As pessoas querem sempre nos colocar para baixo, Lucas, não podemos nos mostrar vulneráveis à elas, eu sei que dói, dói muito, mas algum dia todo esse pesadelo vai acabar, e quem vencerá seremos nós.
Eu a abracei, ela tinha um cheiro tão doce que me acalmava de forma tão repentina. Apesar de toda a sua agitação que pulsava nas suas veias.

Ficamos naquele banco até todas as horas da madrugada passarem, conversando e rindo da nossa época de infantes, era um jardim do éden que tinha dentro daquela fortaleza.

- Eu estou começando a ficar com sono, que estranho, é tão raro eu dormir. - Reclamou-se Stella. - Posso deitar no seu colo?

- Claro que pode.

Stella pôs sua cabeça sobre minhas coxas e fechou os olhos escondendo as suas chamas, ainda tinha muito fogo, um fogo quase impossível de se apagar. A madrugada já se clareava, e a fera indomável adormecia.

- Obrigada meu anjo. - Sussurrou de olhos fechados.

- Pelo quê? - Sussurrei também.

- Por me dar um pouco de paz...


A manhã
Grandiosa
Tudo acorda
Menos Stella...







~



Andrew Oliveira, incorporando:
Lucas Lustat, o renegado.


Personagem Stella, criada por Antonio Fernandes.

Visitem: http://www.antonioquem.blogspot.com

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