1663
A Floresta da Mandrágora estava calma, quieta, ausente de ruídos, até demais para parecer uma floresta normal. Por onde se encontrava o farfalhar das folhas nas copas e galhos das grandes árvores? O chilrear inconstante dos pássaros ou o som da mastigação de um animal se deleitando com algum monte de folhas doces para o seu olfato? Onde estava o chiado das águas nos carvalhos formando córregos e riachos, o tabefe das caudas dos peixes pulando na superfície das águas gorgolejantes e cristalinas vez ou outra ou o trabalho de pequenos roedores nos caules, raízes e galhos na terra escura e fértil? Aliás, que névoa estranha era aquela em plena cinco e meia da tarde, onde o sol ainda lutava para entrar e se contorcia entre os troncos da floresta?
Friddah estava exausta, passara o dia inteiro caminhando dependendo apenas das suas intuições e de uma voz que vinha raras vezes em seu subconsciente para lhe dizer que estava tomando o caminho errado. Desde pequena ela sempre soube que não pertencia à raça humana, que era algo parecido com ela, mas não completamente. E quando curou a mão de sua irmã, ou quando foi implorar pela mãe Mary Donna e esta a amaldiçoou pelos olhos, mas teve que desfazer a maldição para não correr o risco de sua espécie ser descoberta, ela tinha obtido as suas certezas.
Espécie... Essa palavra agora carregava um significado mais forte dentro dela. Friddah afinal tinha razão, ela não podia mais passar muito tempo na casa da mãe adotiva Almah e do pai amedrontado Lenin.
Mas algo a estava atormentando.
E começou a atormentá-la a partir do momento em que ela sofreu um corte na palma da mão direita quando foi se segurar num galho pontiagudo para pular sobre um tronco caído. Friddah se sentou numa rocha musgosa e puxou alguns cogumelos na lateral dela, engolindo, mastigando com louvor e cuspindo logo em seguida. Seu vestido estava rasgado em várias partes, suas pernas arranhadas de espinhos e galhos, seu rosto ainda guardando os restos da sujeira quando ela caiu de cara na lama após enroscar o pé num cipó esticado por pequenos animais roedores. Ela desejava muito agora tê-los capturado em vez de sentir dó e deixá-los ir... Dariam uma ótima refeição pela noite.
E a noite estava chegando como quem ameaça os instintos de outrem. Friddah não queria admitir para si mesma, mas estava morrendo de medo, de frio, de fome, e tendo a nítida impressão de que alguma coisa espreitava sua presença na floresta como... Como se estivesse saboreando o seu cheiro de longe para, na hora certa, saborear a carne.
Uma revoada de corvos voou e agitou a árvore em que Friddah se apoiava, a pequena bruxa se levantou num pulo e a névoa que se condensava cada vez mais desde aquela manhã já estava próxima novamente, parecia querer chamar o olhar da menina, deixá-la paralisada admirando-a, deixar Friddah quieta, imóvel, indefesa...
Demônio do Sol...
Friddah se levantou da rocha, agora mais descansada, e decidiu correr, rasgando ainda mais seu vestido, arranhando fortemente suas pernas e braços, estapeando seu rosto com as folhas que surgiam dos galhos tortos quando ela prestava mais atenção em olhar para trás do que para o caminho que começara a seguir. Caindo, enxotando aranhas que pulavam no seu cabelo, chorando. Friddah tropeçou mais uma vez, se encolheu entre raízes grossas de uma árvore escura, um raio de sol passou no meio da névoa que a perseguia e um rugido estremeceu a terra com uma vibração que nenhum animal conseguiria propagar.
Um feixe de escuridão manchou a névoa pálida e braços e pernas tão longos quanto os galhos lá em cima surgiram se mexendo freneticamente, dedos enormes que mais pareciam gravetos esqueléticos, pernas e mais pernas até enfim surgir o núcleo. Um núcleo cheio de pêlos, uma barriga escura e quatro cabeças disformes, com olhos em cima e embaixo e bocas circulares carregando dentes enormes, tortos, retos, amarelos com pontas escarlates, expelindo línguas negras cheias de furos e pupilas vivas que se moviam como vermes sobre pele apodrecida. O Demônio do Sol fedia à carne decomposta e seu fedor infestava todo aquele quilômetro quadrado da Floresta da Mandrágora.
Friddah se encolheu entre os galhos, fechou os olhos e o monstro desapareceu. Ao longe, entre as colinas e montanhas frias e desconhecidas, o sol se deixava descer e bordava um céu róseo-alaranjado com uma ou outra estrela a ferir as nuvens borradas, nuvens que formavam um céu de areia. Mas a menina não saiu do berço da natureza onde se encolhera, pois ela estava ouvindo o monstro galopar com seus pés cheios de dedos grossos e rígidos, de unhas pontiagudas perfurando a terra e afugentando cada ser vivo presente alí. Ele estava tomando impulso para engolir Friddah num único golpe.
Friddah engoliu o choro, levantou-se e ergueu o braço e a palma cortada, o monstro já estava visível novamente a centenas de metros correndo e destruindo tudo com uma loucura acima do nível do perigo, em direção à pequena bruxa, prestes a saltar com todas as suas bocas e dentes arreganhados. A menina congelou, o Demônio do Sol estufou o peito, curvou as pernas e pulou.
- KRISHNA!
Um tigre branco e reluzente com mais de um metro e meio de altura e olhos ferozes de pupilas verticais se materializou bem diante dos olhos de Friddah, enfiou as patas afiadas nas cabeças do monstro ao mesmo tempo em que o monstro pulava pronto para engolir a menina, e o imobilizou afundando metade do seu corpo disforme com seu peso divino na terra escura da floresta. Friddah fechou os olhos, mas os berros grasnados do monstro arrepiaram até a sua alma, quando os reabriu, havia apenas o tigre e uma névoa inodora se dissolvendo no ar frio do crepúsculo.
Friddah se levantou toda desleixada, entortou o pé e caiu pela milionésima vez de nariz ao chão. Uma patada carinhosa a fez se levantar num pulo, tanto de susto quanto pela força da divindade. A menina olhou nos olhos da fera, era tão bela, seus pelos brancos não paravam de reluzir e o começo da noite deixava-os ainda mais nítidos, era quase um animal gigante e suas patas outrora ameaçadoras agora descansavam uma sobre a outra, seu olhar repousado no rosto de Friddah era calmo, e sua presença firmava uma segurança acolhedora. A deusa terrena Krishna.
- Tu és forte, e tua mãe sabia disso quando lhe pediu para me invocar pela primeira vez, ela sempre soube que daria certo.
- Minha mãe?
- Sim. A única bruxa que obteve êxito e força no sangue e na alma para me fazer pular sobre as linhas foi Nefertiti, e isso há mais de quatro mil anos.
- Tu falas das linhas que tecem o destino, o futuro, o passado e mantém o equilíbrio de tudo nesse mundo?
- Percebo também que és inteligente. E para alguém inteligente, as linhas se tornam ainda mais perigosas. Elas sempre foram um carma na vida das bruxas... Aquelas que sabiam ler o que estava por vir, ou outras que ouviam as vozes dos mais antigos... Com o decorrer do tempo isso se tornou algo cada vez mais tormentoso, e bruxas como Nefertiti passaram a esconder as linhas aos olhos humanos. Nefertiti tinha unhas enormes, cabelos métricos... Era poderosa e sua presença já causava temor e respeito. Diziam que a origem do seu poder se dava à sua misteriosa carne imaculada, e quando uma xamã enviou um homúnculo para estuprá-la, Nefertiti fugiu em pleno deserto e nunca mais se soube da sua presença em seiscentos e sessenta e seis anos, até que um jovem beduíno adoentado disse que uma mulher que se intitulava rainha bebeu do seu sangue e desapareceu na noite. Imaginas o que ela tenha se tornado, não?
- Uma súcubo?
- Sim. Não sei que espécie de bruxa deseja se tornar isso... Uma dependente de sangue humano... Talvez para preservar sua beleza? Desconheço os sentimentos que sua raça obtém. Bruxas naturalmente vivem mais do que seres humanos normais... Mas muitas delas já buscaram a imortalidade completa, e como Nefertiti, encontraram meios ingloriosos de se fazerem eternas...
- Eu não quero viver para sempre...
- Sabes onde quero chegar, Friddah, não sabe? Tu és poderosa demais para qualquer escolha tua, qualquer mínima escolha tua, seja feita sem pensar.
Friddah abaixou a cabeça, não sabia se aquilo era um conselho ou uma repressão, a voz de Krishna era constante e terna, mas nem um pouco furiosa. Seus olhos extremamente azuis de pupilas escuras verticais eram ao mesmo tempo belos e agressivos, exalavam ordem e poder num misto de quietude, harmonia vitoriosa. Por um instante achou que a deusa a devoraria por fazer aquilo, mas a atitude foi completamente oposta, Krishna acariciou-lhe o nariz pequeno da menina com seu focinho escuro e úmido.
- Me deste muito sangue. Podes subir em mim, ainda tenho um bom tempo por aqui até o preço do teu pagamento se fazer finalizado.
- Eu dei?
- Eu não bebi só do sangue que estava na tua palma, Friddah. Tu espalhaste tua tinta de bruxa por toda a floresta, por isso estás se sentindo tão fraca, por isso atraíste um demônio do sol.
Pela primeira vez na vida Friddah se sentiu segura para falar o que sentia.
- Estou com medo, deusa Krishna.
- Isso é...
- Não! Estou com medo, estou sozinha, tenho sete anos e fui rejeitada por duas famílias, minha fome não me deixa pensar, e não posso nem me ferir por menor que o ferimento seja sem correr um risco mortal porque sou... Porque sou bruxa! Tudo acaba nisso! Bruxa! Bruxa! BRUXA! Por que não nasci humana? Por que as coisas não foram mais fáceis pra mim? Eu nunca quis isso, não acho bonito sugar a doença e depois vomitá-la em sangue, não acho bonito controlar o tempo, não gosto de ficar escondida como se eu fosse um monstro, não quero, eu... Estou cansada! E agora um tigre me fala que qualquer decisão que eu tomar pode causar um estrago maior do que eu possa alcançar! Eu não entendo isso! Eu quero brincar com uma boneca sem ter medo de ela virar pó na minha mão se eu ficar nervosa. Eu quero correr por algum campo de flores sem ouvir a voz de mortos. Eu quero andar entre as pessoas sem ouvir o que elas pensam ou o que desejam, e como elas vão morrer. Eu quero ter uma noite de sono sem precisar de barreiras espirituais para que nenhum demônio sugue o sangue do meu corpo enquanto estiver dormindo. Eu quero...
Krishna rugiu e lhe deu uma patada no rosto, arranhando brutalmente a face de Friddah e fazendo-a cair no chão e chorar escandalosamente. Krishna lambeu sua face logo em seguida fazendo a mutilação desaparecer, mas a menina ainda estava soluçando e se encolheu como se a deusa fosse um novo perigo para se proteger.
- O que tu queres então, Friddah? Adoecer o tempo inteiro? Viver pregada em mesquinharia e egoísmo? Depender de templos e velhos dizendo coisas inexistentes como paraísos e absolvições? Pensas no milagre que tua raça é. Pensas na coragem de Eva em enfrentar Deus antes de Deus fazer do Éden um lugar real. Pensas na inteligência de Lilith e Huracán em dar forças para ela continuar lutando pelo que ela achava certo. Pensas na dor de Eva, ao seu próprio sacrifício em despedaçar sua alma para a sangria bruxa permanecer pura. Ser bruxa é ser a maior dor da Terra, e também o maior milagre já existente aqui. Não fales da tua raça como se fosse uma maldição, mas como a maior força entre Carne e Espírito em sua mais autêntica luta pela sobrevivência. Se não fosse a generosidade das bruxas, os deuses terrenos estariam extintos. Se não fosse o amor das bruxas, os demônios e seus reinos jamais teriam forças para construir seus mundos, se não fosse o sacrifício das bruxas, o lugar que as Guardiãs de Sheol velam seria um completo caos, se não fosse o poder conjunto das bruxas, os céus despencariam sobre os seres humanos e anjos e arcanjos se alimentariam praticando o canibalismo como os antigos faziam... Tu és o milagre mais belo deste universo, Friddah, agora monte em mim, vou levar-te para um lugar seguro onde tu encontrarás tuas respostas à tua maneira.
Friddah deu um último soluço, tirou o rosto afogado entre as mãos e olhou para Krishna com certo receio, mas dessa vez sem medo, e montou na deusa.
As árvores e a noite passaram velozes pelos olhos da menina. Friddah tinha que segurar com força a pele e os pêlos brancos e fluorescentes no escuro para não cair, além de afundar o rosto como se Krishna fosse um travesseiro com pernas, pois não queria correr o risco de estapear a face com galhos e ramos. O frio noturno arranhava-lhe a pele com força, quase um ser orgânico e gelado querendo capturá-la no ato de cavalgar em cima de uma divindade. Krishna pulava longamente, as vezes flutuava por alguns segundos até alcançar a grama nas patas dianteiras mais uma vez, causando um pouco de enjoo e cansaço em Friddah como se ela estivesse correndo ferozmente floresta afora também.
Passou-se pouco mais de meia hora até a deusa desacelerar a corrida e fazer um suave grunhido para Friddah descer das suas costas, ordem que esta executou com eficiência. Friddah olhou melhor e reconheceu o Grande Campo, um campo extenso posterior à Floresta da Mandrágora, e onde também se iniciava a Floresta dos Deuses e a entrada para as montanhas que ela tanto contemplava de longe em Clevelier. Logo alí, uma cerejeira fresca e vibrante dançava na ventania fria e assoladora da natureza. A menina se sentiu tentada a conhecê-la, vê-la de perto, tocá-la...
- Não faça isso, a Floresta dos Deuses é regada de perigos, aquela cerejeira é uma miragem para chamá-la para dentro daquele lugar.
- Mas existem...
- Não, não existem deuses nessa floresta, assim como não há mandrágoras plantadas na Floresta da Mandrágora. Esses são nomes batizados pelos antigos, e que seus descendentes não perderam a tradição.
- E por que os antigos a batizaram de Floresta dos Deuses?
- Porque foi aí que aconteceu a Primeira Guerra das Dimensões.
- Guerra das Dimensões?
- Sim. Uma guerra entre deuses, demônios, anjos, bruxas e humanos, o que causou um colapso no destino deste universo e bagunçou as dimensões e o tempo cronológico.
- E o que houve depois?
- Os humanos que sobreviveram criaram as religiões, tendo como base as criaturas que viram. Os demônios fugiram antes das furiosas Guardiãs de Sheol fecharem as Dimensões e criaram seus reinos, assim como os anjos e arcanjos, que se humilharam para Deus para sobreviverem nos céus. As bruxas passaram a se ocultar entre os humanos para não sofrerem o perigo de serem extintas, e os deuses que não conseguiram voltar para os seus mundos ficaram presos entre a dimensão da Terra e as suas, pois as Guardiãs de Sheol, as Feiticeiras e Xamãs fecharam o Grande Portal com seis cadeados guardados pelos demônios mais poderosos. Apenas as bruxas foram piedosas com os deuses, oferecendo-lhe oferendas, sangue, ligações de alma e animais terrenos como alimento, sendo assim, nos tornamos Deuses Terrenos.
- Mas as bruxas também podem ter ligações com demônios.
- Com os demônios a ligação é diferente. Não se funde com a alma, é apenas por interesse. Se ambos conseguirem concluir seus objetivos e desejos um com a ajuda do outro, a ligação pode se partir normalmente, se não, a bruxa ou demônio deverá morrer. Ligações com Deuses Terrenos dependem da alma e do poder que o sangue de determinada bruxa possui, e são eternas.
Friddah olhou novamente para o lugar onde a cerejeira se encontrava, mas não estava mais lá. Ela encarou Krishna agora com mais intimidade e alívio, e a deusa apenas piscou lentamente numa espécie de aprovação ou bom humor, era difícil saber.
- Agora adentre os terrenos das montanhas, suba em algumas se precisar, teu caminho é longo, mas daqui por diante ele é certo. Tenho que ir agora, o tempo que tenho aqui já irá se esgotar.
- Se eu lhe der mais sangue, tu poderás ficar mais tempo?
- Sim, mas não aconselho a fazer isso. Estás fraca, precisas de água, alimento e descanso. Logo que entrar ouvirás o gorgolejar de uma pequena cachoeira, lá tem água pura e cristalina e algumas árvores frutíferas. Sinto o aroma de morangos, amoras e maçãs. E quando avistar algum coelho, não tenha compaixão em matá-lo. Tire a sua pele e faça fogo, assim que estiver bem assado e sem nenhum sangue, alimenta-te, ficarás revitalizada.
- Está bem.
- Adeus, Friddah, até breve. Estarei sempre a proteger teu espírito.
- Adeus, deusa Krishna.
E dizendo isso, correu para as penumbras das montanhas, seu lampião era a lua cheia.
~
1680
Inanna primeiro pôs os dedos finos e pequenos sobre os lábios ressecados com um leve sobressalto, avaliou cada uma das seis enormes asas negras pairadas e tapando o céu, depois para o corpo imenso e armado com músculos estufados de Radamathys, seu rosto rígido e másculo, seus chifres espessos brotando dos dois lados da cabeça e entortando nas pontas, sua presença soberana causando uma ventania inapagável na natureza ao redor das seis bruxas que admiravam o demônio com tal fome de poder e ganância que era difícil distingui-las de um forte instinto animal.
Ela não teve medo, hesitação, tampouco cuidado algum, caminhou até ele como se fosse um antigo e conhecido amigo com aquele sorriso falsamente infantil moldando-lhe o rosto de forma tão simétrica e perfeita como bizarra. Como se aquele sorriso ocultasse décadas de existência de uma velha bruxa.
Radamathys injetou seu olhar em cada uma das cinco bruxas subalternas, demorando-se um pouco mais em Carlotta, que respondia a observação apreensiva, mas determinada. Os olhos de Carlotta não carregavam ambição, queriam respostas aos pensamentos que acabara de ouvir.
Então a situação mais desconcertante aconteceu: Inanna deu a costa da mão direita para Radamathys beijar, o nariz arrebitado para o céu. Radamathys não fez o gesto, Inanna continuou com a mão desocupada no ar, mas seu sorriso se diluía lentamente da face pueril.
- Sana Sacra Sangria Estae.
Um enorme crucifixo de madeira escura e maciça surgiu sobre o círculo das seis bruxas quando a mais forte delas, Inanna, ergueu seu pedaço de galho para o alto proclamando aquelas palavras com um timbre de voz grosso e ressonante. Radamathys foi atraído até a escultura como um imã, suas asas foram invisivelmente puxadas para baixo, e pregos de um ferro bronzeado que se solidificaram na ventania da natureza penetraram em suas mãos e pernas aprisionando-o na cruz.
Aquilo era uma das maiores humilhações para a sua raça.
- Certa vez, há exatas duas décadas, quando eu era venerada e mimada no Egito, pois lá fazia uma busca por Nefertiti, invoquei um dos demônios mais poderosos de seu reino para que este me desse algum conselho sobre como encontrar uma súcubo experiente. Ele era esperto, no mesmo segundo em que cedi minha mão gentilmente para ser beijada, ele a beijou. Mas também era ambicioso... Em uma noite calorosa após tanta carne e suor, ele tentou extrair o meu sangue em um vaso antigo para levar ao seu reino e curar seus tantos feridos de uma guerra recente. Tudo o que obteve foi a sua morte, e quem venceu com sangue fui eu. Arranquei víscera por víscera do seu corpo, guardei a vida de seus chifres em um medalhão, escondi sua alma no mesmo vaso em que deveria estar o meu sangue...
Cada bruxa ouvia com atenção, até Carlotta que não sabia se ficava horrorizada com o feitiço de Inanna ou com a história que ela estava contando.
- Então, meu caro Radamathys – e sua voz se fez grossa novamente. -, eu não faço acordos com demônios, eles me obedecem porque são inferiores a mim. Eu não sou vulnerável a demônios, eles são vulneráveis à mim. E tu, com cada fibra do teu ser, te ordeno a abrir o primeiro cadeado do Grande Portal, do contrário, acabarás como o teu pai.
~
- Tens certeza do teu pedido, bruxa Friddah?
Baco franziu o cenho, se ergueu segurando a mão de Louvier, e a mulher se aproximou com ainda mais cautela. Friddah, assim como o jovem e trêmulo padre, chegavam apenas na metade da sua altura. Ammaleth também estava se aproximando, quase oculta, quase um fantasma.
- Como nunca tive na minha vida, senhor Baco.
- Pois bem, imagino que tenhas um pagamento para isso, sim? Não posso fazer isso pela boa graça de minha bondade...
- Tenho um pagamento e ele está atrás daquelas montanhas.
- Por que tão longe?
- Não sentes o cheiro?
- Sinto. Escuras. Escuras como tu.
- O pagamento é a maior delas.
- Ela?
- Sim. Ela.
- Não posso matá-la, ninguém pode matá-la. Ela é o único ser vivo em que deuses e demônios mais temem.
- Eu conheço seu maior ponto fraco. Sei como destruí-la em segundos. Afinal, deuses e demônios almejam ardorosamente o sangue dela... Não?
- Nas vias de fato, bruxa Friddah. Quando queres que eu destranque o segundo cadeado?
- Quando for o momento certo, eu o invocarei.
Auguste estava imóvel, Arpe permanecia apenas parado e raivoso, Ammaleth se espreitava para mais perto de Baco, pronta para puxar Louvier ao seu domínio. Friddah não a olhou mais, todavia um pensamento tombou sobre a cabeça de Ammaleth como um raio.
“Não faça isso, Baco irá matá-la. Terás Louvier de volta em breve. Vou precisar dele, não me interrompa.”
O braço de Friddah se contorceu e se quebrou, o céu começou a escurecer num cinzento espesso, Louvier largou-se de Baco para por as mãos sobre a boca, Auguste correu em direção a ele. Grito, sangue e trovão se fundiram num único segundo. Baco se enfureceu com o desdém.
- Estás me enganando, bruxa! Queres debochar de mim trazendo chuva e se deformando aos meus olhos! Irei embora daqui!
Antes mesmo de pensar, Baco abraçou Louvier e desapareceu numa rachadura fluorescente no ar que surgiu e se diluiu sem tempo para o raciocínio humano compreender.
Friddah se levantou do chão e se curou pela mais pura autossuficiência. Descabelada e irada se voltou para Ammaleth.
- Sua estúpida! Baco não vai querer mais devolver Louvier! Deverias ter me escutado!
Ammaleth levantou a saia do vestido para caminhar mais rápido em direção a Friddah e lhe estapeou a face com força. Friddah lhe fuzilou com o olhar, indignada.
- Estúpida és tu. Aquele não é Baco. Baco necessita apenas do prazer masculino para ser invocado, e não da morte de mais de vinte homens! Aquele é Sorath. Baco não guarda cadeado nenhum. É Sorath quem guarda! E maldição! Terei que ir ao inferno buscar Louvier por culpa tua, que não sabe diferenciar um deus de um demônio!
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Black Cherry
Arte: Nicole Absher, com edição de Black Cherry
Photografia: Diego Lema - "Dionisio"
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