O vidro estava embaçado. Estacionei o carro numa calçada alí perto, entre uma esquina em que um bar dizia-se vender sonhos por 99 centavos, acho estranho vender sonhos às quatro da manhã.
Eu estava meio alto, minha vida não se apresentava uma das melhores, e vodka é uma boa pedida para quem vive criando expectativas cegas em cima de pessoas tão pequenas que mal chegam a saber o que significa isso. Eu sei, sou meio bobo, mas eu não posso fazer nada, sou um romântico clichê, daqueles que adoram filmes clássicos. Audrey Hepburn, Vivien Leigh, Marlene Dietrich, Marilyn Monroe, essas são as mulheres da minha vida. Por que nunca conheci alguém assim? Vivi num musical? Tornei-me rico por ter o acaso de encontrar alguém que me possibilitasse isso? Enfrentei adversidades que atravessaram décadas, gerações? Falei frases imortais numa vida em preto-e-branco? Não me pergunte, detesto respostas, detesto a compreensão, essa ideia de me conhecer, tudo isso é impossível. Ninguém se conhece, ninguém se ama, estamos sós e ponto final.
Sou tão amargo que sinto graça de mim.
Mas essa não é a ideia geral das coisas, o andamento mais simples das nossas vidas? Achar graça da própria desgraça?
Saí do carro com uma flanela e comecei a tirar o hálito frio da chuva no vidro, a chuva também não estava colaborando muito. Terminada a missão, voltei pro carro, e o melhor aconteceu: o carro morreu, faleceu, foi-se para o limbo dos carros alí mesmo. Ótimo. Saí do meu ford velho mais uma vez, chutei sua porta e declamei uma poesia de palavrões e pragas. As ameaças infelizmente não deram certo, mas chamaram a atenção de outrem.
Um grupo de gangsters veio com expressões de cinismo e crueldade, me apontaram uma faca, deram socos na minha barriga até me fazer cair, dessa vez me enchendo de chutes, e o gran finale: o carro voltou a funcionar e eles foram embora com a maior alegria do mundo.
Azar? Que nada, era só o término de um dia longo, horrível e desventurado. Mais um pra minha lista de dias assim, e acredite, não são poucos.
Esse dia começou assim: minha namorada (ou ex) era uma vadia. Ela era aquele protótipo de barbie, loira, de olhos claros, corpo curvilíneo, fotogênica, linda. Eu estou mais ou menos nessa linha, exceto pelo fato de eu ter músculos... Não muitos, não tão grandes, mas os tenho, e o meu louro chega perto de um castanho-claro, e tenho um furinho no queixo que não acho muito atraente, embora ela tenha passado esses dois anos de namoro dizendo que era o que eu tinha de mais belo. Se ela achasse realmente isso, talvez eu não a tivesse encontrado pagando um boquete num cara desconhecido (se fosse, por exemplo, no meu melhor amigo, eu o teria perdoado porque ela é deveras irresistível). Foi o que ocorreu mais ou menos na meia noite, depois de eu ter pedido demissão de um dos meus bicos e estar com uma dor de cabeça ao limite do absurdo.
Nunca tive muita sorte, eu sei, mas eu a amava de verdade. Gostava do seu carinho me reconfortando quando eu chegava em casa, gostava da sua respiração nas minhas costas e dela se encolhendo atrás de mim quando as madrugadas ficavam frias demais. Quando me pedia para fazer um trabalho pesado e depois dizendo que havia feito meu prato favorito (me sentia até casado), do seu cheiro em cada canto da casa como se fosse onipresente, da sua imprevisibilidade de quando completamos um ano de namoro e ela me convenceu a ir numa boate cara e requisitada. Poderíamos ter uma vida perfeita, ter filhos que herdassem nossos cabelos louros e olhos claros, uma menina que fosse sua miniatura, um menino que tivesse o mesmo furinho no queixo que eu. Mas alguma coisa a atormentava, e ela nunca me contou o que era, já se passaram cinco horas desde o nosso término e eu ainda não sei o que é. E acho que tive um pouco de culpa também, tenho essa suave impressão, então não a culpo completamente por ter a flagrado fazendo sexo oral num homem qualquer.
Passaram-se poucos minutos até minha roupa estar completamente encharcada, meus dentes começarem a tilintar, e meu corpo estar implorando por um lugar seco, quente, um recanto de roupas secas e cobertores perto de uma lareira, e um bom copo de chocolate quente pra me aquecer por dentro também. Não podia me esquecer dos meus cigarros, mas agora o único maço que eu tinha num bolso de trás do minha jeans estava tão molhado quanto eu. Levantei-me do meio da rua com dificuldade, minhas costelas ainda estavam doendo como o inferno, e uma dor me impossibilitou de respirar direito, minha visão estava um pouco turva, talvez da dor de cabeça ou da minha bebedeira mesmo. Sei que um carro parou quando eu já estava me encostando num poste, vomitando na calçada pra completar a visão de sarjeta em que eu estava. Sem estrelas e lua, só água e vento.
- Ei, cara, o que aconteceu com você? – uma voz grossa e rouca me despertou do meu cochilo em pé.
- Oi?
- O que você tá fazendo aí?
Limpei o resquício de vômito no canto da minha boca, e voltei a cruzar os braços.
- Eu estou bem.
Uma sombra imensa se aproximou de mim.
- Vem, eu te levo pra sua casa.
- O quê?
- Você é surdo também? Disse que posso levá-lo pra sua casa.
- Eu estou bem, obrigado.
- Cara...
- Olha, eu não costumo aceitar gentileza de estranhos.
Ouvi uma risadinha abafada.
- O que é que tem graça?
- Você pensa que eu sou algum psicopata ou coisa parecida? Relaxa, não vou tirar seus órgãos ou algo assim.
- Não penso que você seja algum psicopata – levantei a cabeça e vi malmente seu rosto, a chuva não dava muita trégua, só percebi que ele era bem alto. -, só que no mundo real, esse tipo de coisa não acontece comigo, é só.
- E o que aconteceria com você? Eu lhe enfiar uma faca na barriga?
- Escuta, eu acabei de ter meu carro roubado, e meu dia não foi dos melhores, então sim, espero que você faça algo parecido.
- Sinto muito não responder às suas expectativas. Venha logo, acho que vai começar a nevar, você não vai querer pegar nada sério...
Descruzei os braços enquanto ele abria a porta do passageiro do seu carro.
- Está bem.
Entrei no carro e um antro de calor e alívio tirou minhas mãos da imobilidade completa, meus sapatos e meias também estavam encharcados, o que me fez tirá-los alí mesmo, no carro daquele estranho gentil. Ele não parece ter objeções quanto a isso, apenas começou a dirigir.
- Em que bairro você mora?
- Estação das Glicínias, terceira rua à direita. E você?
- Moro no centro, num bairro onde só tem prédios, eu nunca soube o nome dele.
- Você mora em apartamento?
- Moro.
- Que horror.
- Por quê? Apartamento é... É legal.
Eu ri.
- Já morei em apartamento com a minha mãe, foi uma época apertada nas nossas vidas. Não sou um grande fã.
- Qual é a sua idade?
- Dezessete.
- E o seu nome?
- Malcolm.
- E por que estava naquela rua a essa hora da madrugada?
- Terminei um namoro, estava só dirigindo por aí.
- Tenta esquecer a tristeza dirigindo por aí?
- Não, eu fiquei bêbado antes disso.
- Por isso estava vomitando?
- Por isso e por ter recebido uma dose de chutes na minha barriga dos gangsters que me assaltaram.
Ele se calou, eu também. Esfreguei a manga do meu moletom no vidro embaçado da janela do passageiro, acho que Nick Cave estava tocando na rádio ligada do estranho gentil. Senti-me até melhor, não estava mais com frio, e aquele estranho tinha um cheiro forte que abafava todo o carro, mais forte do que o cheiro da minha ex, talvez fosse só o seu hálito, ele tinha uma respiração intensa como se estivesse fumando. Descansei a cabeça no banco e fiquei olhando para as luzes da madrugada que se deformavam no vidro e na chuva, amarelas, vermelhas, azuis, amarelas de novo, e algumas até róseas. Onde estava mesmo aquele lugar em que se vendiam sonhos por 99 centavos?
- Chegamos, qual é o número?
- Vinte e quatro quarenta e cinco. É aquela casa logo alí com as roseiras selvagens.
- Que casas bonitas essas do seu bairro...
- É um dos bairros mais antigos. Os mais velhos decidiram preservar a mesma arquitetura do ano de 1920, e os moradores novos respeitam isso, então só mudam o design interno...
- Estou tão acostumado com prédios que... Olha, é essa a casa?
Levantei a cabeça do banco.
- É sim. – e abri a porta do carro. – Obrigado pela carona... E por ter sido uma ótima companhia quando eu não tinha mais ninguém.
- Eu quem agradeço, Malcolm... E não faça nada que possa se arrepender depois.
- Não farei.
Bati e porta e atravessei a rua. Chamei pela minha mãe várias vezes até me tocar de que ela estava viajando a negócios, e eu nunca que iria dormir na casa da minha ex. Sentei na calçada perto da roseira selvagem e fiquei pensando no que iria fazer, o jeito era dormir alí mesmo.
Mas o carro do estranho ainda estava alí, e lá estava ele saindo de novo para ver como é que eu estava. Levantei a cabeça e pude vê-lo melhor sob os postes mais bem iluminados. Tinha os cabelos escuros e lisos, o nariz um pouco protuberante, porém belo, e os olhos de um intenso hazel, talvez verdes, não soube definir muito bem naquele momento, mas pelo que imaginei ele devia passar de 1,98 de altura. Ele tinha a maxilar levemente ressaltada sobre a barba por fazer, o que dava uma tonalidade máscula e severa, apesar de estar quase o tempo inteiro sorrindo com aqueles lábios róseos e claros, contrastando com a sua pele branca. Era bonito em sua totalidade.
- Venha, eu tenho um sofá no meu apartamento.
Não fiz objeções. Ele me pareceu tão seguro, tão confiante, simples em suas palavras que carregavam um significado acolhedor. Ele não me deixaria na chuva, na neve que estava por vir, não me deixaria afundar. Quem era aquele estranho que era agora meu único amigo?
Entrei no seu carro e, novamente, descansei a cabeça no banco, filosofando com as luzes que embaçavam na janela molhada. Eu já estava com os olhos sonolentos quando ele parou o veículo bruscamente e olhou pra mim.
- Tire seu casaco.
- O quê?
- Olhe o seu estado, você vai pegar um resfriado desse jeito.
- Eu não me importo.
O estranho gentil buscou alguma coisa no banco de trás, revelando-se ser um casaco escuro, com apenas um bolso no lado direito do peito. Tirei o meu encharcado, ficando apenas com minha camisa branca colada e transparente, e pus o casaco que ele jogou no meu colo quando voltou a dirigir. Pensei ter a impressão de que ele estivesse enrubescido, embora não tenha pensando muito nisso, a vodka e a exaustão ainda imperavam sobre a minha alma.
Passaram-se apenas dez minutos até chegarmos ao edifício em que ele morava, ele entrou num estacionamento e depois entramos no seu prédio. Eu estava tão cansado que a viagem pelo elevador me pareceu durar segundos.
Seu apartamento era belíssimo, e sua descrição de “tenho um sofá” me pareceu até cretina, porque havia vários espalhados, até na varanda. Uma televisão na parede e aparelhos de som da mais recente tecnologia, luminárias de aparência antiga, provavelmente eram mesmo antigas, e sendo assim bem caras. Além delas, abajures artesanais se encontravam em alguns cantos do local, e dois iluminavam belamente o quarto com a cama de casal, mais outra televisão, mais uma luminária. Agora eu estava mais tonto com a beleza de toda aquela explosão de antigo e contemporâneo do que de fato bêbado.
- Quer tomar um banho?
- Eu adoraria.
- O banheiro é logo aí. – ele apontou para uma porta próxima a um criado-mudo no seu quarto, enquanto tirava seu casaco e sua camisa. – Já arrumo uma toalha pra você.
- Tudo bem.
Abri a porta e entrei no banheiro, provavelmente maior do que o meu quarto, com uma banheira de hidromassagem, não sei dizer. Tirei minhas roupas até ficar só de cueca e olhar a minha situação no espelho. Apenas a lateral da minha barriga estava um pouco inchada e vermelha, mas nada grave, e havia um pequeno corte ao lado da minha sobrancelha castanho-loura. Mas eu fiquei preocupado com a trilha de pelos louros abaixo do meu umbigo que havia crescido de novo.
Evitei a banheira (pois provavelmente dormiria nela) e usei a ducha. Abri para esquentá-la e tirei minha cueca. A água quente pareceu reavivar cada célula do meu corpo, peguei o sabonete e me esfreguei agora com mais entusiasmo, e depois me deixei apenas recebendo a água no rosto, minhas orelhas e nariz gelados, meus pés desamparados pelo calor. Detestei tanto o verão e o verão me era agora tentador. Abri os olhos e o estranho estava lá, no vão da porta, me olhando com a toalha na mão.
Saí da ducha ainda esfregando os olhos e os cabelos e peguei a toalha, enrolando-a na minha cintura logo em seguida. Só pude sorrir.
- Eu coloquei um edredom e um travesseiro num sofá de frente para a televisão. – ele retribuiu o sorriso, embora não estivesse olhando para mim, e sim para a maçaneta da porta.
- Obrigado, de verdade.
- Não se preocupe com isso. Vá descansar um pouco, você está precisando.
Dessa vez ele me encarou, foi quando me senti uma formiga perto da altura que ele tinha. Fui para a sala e peguei um roupão que ele também deixara alí, desenrolei a toalha e enxuguei minhas pernas e cabelos, depois me encostei na vidraça e fiquei olhando os prédios acesos, as ruas movimentadas lá embaixo. Céus, essa deveria ser a cobertura...
A noite ainda estava cinzenta e espessa, o frio ficou ainda maior, mas não tanto, e até me surpreendi quando olhei para o lado e vi uma lareira acesa.
Foi quando me lembrei de que durante toda a madrugada eu não havia feito àquilo que eu deveria fazer, após beber, ser assaltado e encontrar a casa da minha mãe fechada: chorar.
Alguma música, ao longe, estava tocando, algo como “blame it on my burnin’ heart”, e meu sono estava forte, mas não era ele que estava embaçando minha visão, me fazendo sentar perto da vidraça e descansar as costas sobre ela, deixar o frio e o calor percorrerem ao mesmo tempo no meu corpo. Não era aquela estranha situação de estar no apartamento de um desconhecido gentil, com seu roupão, sua lareira acesa, sua televisão desligada, seus olhares inquietos.
Encolhi-me num canto e deixei o que quer que fosse escorrer pelos meus olhos, molhar meu rosto, fazer-me expressar a verdadeira presença de tudo aquilo que me corroeu sem dar explicações, o estranho gentil saiu do seu quarto agora apenas com uma cueca branca, sentou-se ao meu lado, me abraçou, e começou a nevar.
Afundei-me no seu peitoral quente, confortante, enorme, e ele me abraçou com força. Encolhi-me entre o seu corpo e aproximei minhas pernas das suas. Seus músculos formavam agora um santuário de calor, pude ver seu mamilo róseo arrepiado, ousei colocar minha mão sobre seu peito esquerdo, arfante, enquanto seu queixo repousava nos meus cabelos. Tudo aquilo era tão novo pra mim... E tão perfeito...
Eu não perguntei, mas ele cuidou de responder, porque de alguma forma ele já sabia o que eu queria saber.
- Merlyn.
Merlyn beijou minha cabeça, aspirou nos meus cabelos louros, passou os dedos para sentir a maciez, enquanto eu massageava suavemente seu peitoral gigante e também cuidava de sentir seu aroma. Um perfume forte, meio adocicado, meio amadeirado, na medida. Foi então que algo me veio à mente. Mordi seu mamilo, puxei com força entre os meus dentes outrora trêmulos de frio, suguei, fiz círculos com a língua, enquanto já respirava com a boca e o abraçava, passeava minhas mãos pelas suas costas nuas e ardentes, e ele me abraçava com mais força, mais brutalidade, suas mãos enormes apertando meus braços, sussurrando baixinho um gemido inviolável, me pressionando contra seu peitoral e sua pele branca quase parda.
Afastei-me. Ele abriu os olhos.
- Me desculpa... É que eu nunca fiz isso com... Com outro cara antes. – eu disse, olhando para meus braços que o desabraçavam.
Merlyn me deu um beijo na testa.
- Está tudo bem, não vou fazer nada que você não queira.
Eu o encarei. Mesmo sentado, Merlyn ainda era um armário de pessoa, isso era óbvio, ele não havia perdido o tamanho nem nada. Mas sua beleza me pareceu ainda maior, mais convidativa, menos abstrata de se admirar. Sua respiração sobre o meu rosto me deixou apenas mais amedrontado, todavia curioso por alguma coisa, pelos seus lábios entreabertos agora, talvez.
Merlyn me segurou com carinho pelo queixo, eu deixei, uni minhas pálpebras e senti sua boca descer e se compressar sobre a minha, afetuosa, devoradora, úmida, rancorosa. Sua língua aconchegou-se suavemente em cima da minha, e eu serpenteei em resposta, sentindo o sabor das suas pupilas e gengivas, da sua respiração me enchendo de vida, reavivando a minha alma-marionete com os fios arrebentados. Acho que eu estava chorando, porque o nosso beijo ficou ainda mais molhado do que já se encontrava. Eu não me importei, ele também não. Apenas me entreguei ao ritmo da sua boca engolindo a minha, cada vez mais desesperada, e seus braços fortes e grossos me abraçando, me encolhendo no seu corpo todo músculos, me pressionando contra o seu peitoral onde eu podia inconsequentemente sentir as batidas aceleradas do seu coração ansioso, e minhas mãos voltando a se aquecer nas suas costas lisas, pareciam-me um campo infinito de pele e osso banhado no mais suculento sangue da carne lívida frenética lamuriosa que era somente minha naquele recanto em lareira me toque me toque me toque me abraça mais forte mais forte não se retenhas não tenhas receios eu gosto do teu abraço teu santuário de músculos no teu peitoral que me aqueceu me tirou me expulsou dessa dor que me corroeu me escondeu isso agora novamente me abraça mais forte eu adoro seus bíceps seu recanto de calor e são tão duros e me parecem ferro sobre essa pele tão cheia de arrepios e aromas não se retenha mais porque lhe deixarei me abraçar.
Merlyn me puxou para cima dele e enfiou suas mãos ásperas e enormes embaixo do meu roupão, pegando no meu par de nádegas com força, mas sem parar de me beijar. Comecei a ficar excitado, e tão logo meu sexo já estava se esfregando na sua barriga dura enquanto eu fazia uma dança lenta e constante naquele mar de arrepios incansáveis. Ele era um pouco mais escuro que a minha pele bronzeada, e sua cabeça pequena era clara, o prepúcio rosado, devia passar de dezenove centímetros facilmente, mas minha bunda era completamente branquela. Merlyn ainda não as havia largado, pegava com força, enchia sua mão com o volume dela, mas em momento algum deixou de se dedicar à minha boca.
Ele mordeu meu queixo, arrancou meu roupão e me empurrou no chão, abriu minhas pernas para norte e sul e colocou sua língua no meio do meu par de nádegas. Senti-me vulnerável e assustado, mas aquele calor úmido no meio das minhas coxas era tão bom que me dei ao trabalho apenas de gemer. Merlyn urrou, cuspiu, e começou a colocar o primeiro dedo. Foi uma dor perto do absurdo, mas ele passou um bom tempo apenas com o dedo médio dentro de mim e acabei por me acostumar e sentir prazer naquilo, era como ser aceso no próprio recipiente de prazer que se guardava no meu interior. Mexendo, fazendo círculos, enganchando.
Foi a vez do segundo dedo, mas dessa vez Merlyn se posicionou para que eu pudesse tirar seu sexo da cueca. Parecia-me ameaçador mesmo dentro dela. Tirei-o pelo lado da roupa íntima e ele praticamente pulou no meu rosto, era grosso, de uma rigidez quase metálica, tinha a cabeça perfeita ao tamanho do corpo, daquele formato que afina na ponta e vai engrossando quando chega ao prepúcio, e era pardo, o pardo completo que a pele do seu corpo não alcançava, além de ter alguns pelos pubianos, apenas para não deixá-lo completamente depilado. Estava pingando.
Brinquei com a cabeça, até ter a coragem de colocá-lo goela abaixo, consegui alcançar apenas a metade, mas era uma delícia tê-lo na minha boca. Merlyn não parava de passar a língua dentro de mim, e eu estava me engasgando com seu pênis como um sedento por água. Ele começou então a movimentar os quadris e socá-lo na minha garganta aberta, fez-me desesperar-me em minha própria saliva.
Merlyn se levantou e eu me ajoelhei, afundei meu rosto entre seu par de nádegas trabalhadas, diferentes das minhas que eram normais e moles, as suas eram másculas e firmes, como todo o resto do seu corpo que agora involuntariava em movimentos do mais erótico dançarino e seus adornos na pele que eram as fibras musculares em conjunto, ressaltadas, seguras em artérias, sabor suave salino salvo. Passeei minha língua pela sua fenda por um bom tempo, enquanto ele gemia cada vez mais alto e empurrava sua bunda na minha cara, estava cheirando a sabonete de morango.
Ele me puxou pelas axilas e me carregou a beijos gulosos, sentindo seu próprio suor na minha boca. Colocou-me na sua cama com carinho, cuidado, como se eu fosse uma criança frágil e doente, e tirou uma camisinha de uma das gavetas do criado-mudo. Eu me sentei na cama e tomei a camisinha, colocando-a com todo o prazer do mundo no seu mastro infinitamente duro. Merlyn abriu a minha boca com seus dedos ágeis e cuspiu dentro dela. Engoli e cuspi de volta e várias vezes no preservativo residente alí.
Merlyn pulou em cima de mim e por alguns momentos achei que fosse sufocar com seu peso, seu tamanho e seus beijos. Ele depositou minhas pernas em cima dos seus ombros e me penetrou, ainda arranhando a pele do meu rosto liso com sua barba por fazer, puxando meu lábio inferior com os dentes, de leve, gemendo mais alto, comigo gritando, sobre meu grito calando, e no meu grito ardendo, e no meu grito sufocando.
Mata-me, mata-me, mata-me mais uma vez, eu te imploro.
Seus lençóis já estavam encharcados com o suor das minhas costas, e eu já estava banhado com o suor que ele pingava sobre mim, deixando tudo mais fácil de movimentar e ressecando nossas línguas. Mas não queríamos água, queríamos mar salgado, pérola líquida, praia deserta.
Quando ele já conseguia colocar todo o seu instrumento dentro de mim, passou a ir mais rápido, batendo seu saco escrotal na minha bunda com tal voracidade que eu sentia ainda mais sensivelmente as estocadas cruéis abafadas em respirações ofegantes e grunhidos de macho alfa. Foi quando, nas últimas estocadas mais ferozes e nos beijos que agora mais pareciam querer arrancar meus lábios que eu já estava no meu ápice, e ele tirou a camisinha jogando-a em qualquer canto, socando seu pau por apenas alguns segundos até ejacular e banhar o meu corpo já banhado com o sêmen que eu também expelira. E para o seu gran finale, lambeu e engoliu em cada centímetro que ele via sobre a minha carne, até onde o seu olfato alcançava.
Merlyn desabou em cima de mim, depois se deitou de peito aberto na cama, e aí pude me aconchegar em cima do seu braço e abraçá-lo, e ele fez o gesto que tanto gostava de fazer: beijar a minha cabeça e cheirar o meu cabelo. Minha perna direita em cima do seu sexo agora mole, repousando e despencado para um lado, o calor da sua barriga dura, seu peitoral subindo e descendo lentamente, as mãos não mais frias. Meu pequeno vulcão.
- O que você vai fazer agora? – eu sussurrei.
- O que você vai fazer agora? – ele retrucou.
- Eu estou cansado demais para saber o que vou fazer.
- Eu não quero saber o que você vai fazer.
- Então não lhe contarei mais os meus segredos.
- Seus segredos agora me pertencem, és o meu escravo enquanto eles forem de meu domínio.
- E o que fazes com os seus escravos, você, que tem o nome de um mago?
- Eu os amo. Esse é meu encanto.
- Desencanto.
- Desiderato.
- Eu sei o talvez.
- Desconheço possibilidades, eu quero certezas, eu amo certezas, sou feito delas.
- Então faça-me uma.
- O que você vai fazer agora?
Não respondi, ele provavelmente saberia a resposta, eu era deveras previsível, fácil de entender... E ele, o completo oposto, porque eu não compreendia sua gentileza, sua voz rouca e grossa me salvando de uma febre na chuva depois de ser assaltado e traído, sua necessidade de ter o meu corpo tão perto, seu calor que tirava... Tirava qualquer excesso de gelo e neve sobre a minha lucidez catatônica, minha lamúria ao vento, meu nada. Seria ele o mago da neve? Pois ele me disse certa vez, numa madrugada dessas, uma qualquer, para eu sair da chuva que em breve nevaria... Como ele sabia disso? Neve?
Neve não se faz de tristeza, rapaz, não a culpe por deixar-te o frio, ela só não sabe como se ama direito, não há um direito, não é verdade? É a única forma que ela conhece do amor. E que amor, que inverno, o que é isso que me faz de solidão? Os anos, os anos, neve não vai falar de novo.
~
Black Cherry
História criada a partir de uma solicitação de um grande amigo. Essa é pra você <3
Trecho "blame it on my burnin' heart" tirado da canção Firestruck, da banda canadense Young Galaxy, se você ficou interessado(a) em ouvir e sentir o clima da história =)
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