Olá pessoal (alguém aí?), estava lendo alguns livros de Fernando Pessoa, incorporando seu heterônimo Ricardo Reis, seu segundo, depois de Alberto Caeiro. Resolvi separar alguns, os que eu mais gostei, e colocar no meu blog, muito lindos, quando eu ler mais, vou separar mais e postar aqui :)
Odes e Outros Poemas - Parte II
[...] Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos Inocentes da decadência
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
Pagã triste e com flores no regaço. [...]
7
Ao longe os montes têm neve ao sol,
Mas é suave já o frio calmo
Que alisa e agudece
Os dardos do sol alto.
77
O relógio do sol marca
Do mesmo modo que o inteiro lapso
Da mesma hora perdida...
O mesmo gozo com que esqueço, ou o julgo,
A vida, finda, me a mim mesmo mostra
Mais fatal e mortal,
Para onde quer que siga a certa noite
Como quer que a entendamos.
Como quer que a entendamos.
78
Solene passa sobre a fértil terra
A branca, inútil nuvem fugidia,
Que um negro instante de entre os campos ergue
Um sopro arrefecido.
Tal me alta na alma a lenta ideia voa
E me enegrece a mente, mas já torno,
Como a si mesmo o mesmo campo, ao dia
Superfície da vida.
90
Vou dormir, dormir, dormir
Vou dormir sem despertar,
Mas não dormir sem sentir
Que stou dormindo a sonhar.
Não a insciência e só treva
Mas também strelas a abrir
Olhos cujo olhar me eleva,
Que stou sonhando a dormir.
Constelada inexistência
Em que só vive de meu
Uma abstracta insciência
Una com strelas e céu.
103
Sê lanterna, dá luz com vidro à roda.
Da luz o calor guarda.
Não poderão os ventos opressivos
Apagar tua luz;
Nem teu calor, disperso, irá ser frio
No inútil infinito.
104
Se recordo quem fui, outrem me vejo,
E o passado é um presente na lembrança.
Quem fui é alguém que amo
Porém somente em sonho.
E a saudade que me aflige a mente
Não é de mim nem do passado visto,
Senão de quem habito
Por trás dos olhos cegos.
Nada, senão o instante, me conhece.
Minha mesma lembrança é nada, e sinto
Que quem sou e quem fui
São sonhos diferentes.
149
Vivem em nós inúmeros
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.
Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faça-os calar: eu falo.
Os impulsos cruzados
DO que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu escrevo.
155
[...] E um só momento nos sentimos deuses
Imortais pela calma que vestimos
E a altiva indiferença
Às coisas passageiras.
Como quem guarda a c'roa da vitória
Estes fanados louros de um só dia
Guardemos para termos,
No futuro enrugado,
Perene à nossa vista a certa prova
De que um momento os deuses nos amaram
E nos deram uma hora
Não nossa, mas do Olimpo.
163
[...] Tudo, e um frio que não há me entra
Na alma. Não existes.
171
Sob estar árvores ou aquelas árvores
Conduzi a dança,
Conduzi a dança, ninfas singelas
Até ao amplo gozo
Que tomais da vida. Conduzi a dança
E sê quasi humanas
Com o vosso gozo derramado em ritmos
Em ritmos solenes
Que a vossa alegria torna maliciosos
Para nossa triste
Vida que não sabe sob as mesmas árvores
Conduzir a dança...
Apêndice
183
E quanto sei do Universo é que ele
Está fora de mim
Odes e Outros Poemas Variantes
VI A
O ritmo antigo que há nos pés descalços
Esse ritmo das ninfas copiado
Quando sob arvoredos
Batem o som da dança -
Pelas praias às vezes, quando brincam
Ante onde a Apolo se Neptuno alia
As crianças maiores,
Tem semelhanças breves
Com versos já longíquos em que Horácio
Ou mais clássicos gregos aceitavam
A vida por dos deuses
Sem mais preces que a vida.
Por isso à beira deste mar, donzelas,
Conduzi vossa dança ao som de risos
Soberbamente gregas
Pelos pés nus e a dança
Enquanto sobre vós arqueia Apolo
Como um ramo alto o azul e a luz da hora
E há o rito primitivo
Do mar lavando as costas.
IX a
Coroai-me de rosas!
Coroai-me em verdade
De rosas!
Quero toda a vida
Feita desta hora
Breve.
Coroai-me de rosas
E de folhas de hera,
E basta!
IX b
Coroai-me de rosas.
Coroai-me em verdade
De rosas.
Quero ter a hora
Nas mãos pagãmente
E leve,
Mal sentir a vida
Mal sentir o sol
Sob ramos.
Coroai-me de rosas
E de folhas de hera
E basta.
~
Fernando Pessoa, como Ricardo Reis :)
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