Solitude, darkness and love


"I don't wanna admit, but we're not gonna fit"

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Ricardo Reis, amigo dos Deuses

Olá pessoal (alguém aí?), estava lendo alguns livros de Fernando Pessoa, incorporando seu heterônimo Ricardo Reis, seu segundo, depois de Alberto Caeiro. Resolvi separar alguns, os que eu mais gostei, e colocar no meu blog, muito lindos, quando eu ler mais, vou separar mais e postar aqui :)



Odes e Outros Poemas - Parte II

5

[...] Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos Inocentes da decadência

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

Pagã triste e com flores no regaço. [...]


7

Ao longe os montes têm neve ao sol,
Mas é suave já o frio calmo
Que alisa e agudece
Os dardos do sol alto.


77

O relógio do sol marca
Do mesmo modo que o inteiro lapso
Da mesma hora perdida...
O mesmo gozo com que esqueço, ou o julgo,
A vida, finda, me a mim mesmo mostra
Mais fatal e mortal,
Para onde quer que siga a certa noite
Como quer que a entendamos.


78

Solene passa sobre a fértil terra
A branca, inútil nuvem fugidia,
Que um negro instante de entre os campos ergue
Um sopro arrefecido.

Tal me alta na alma a lenta ideia voa
E me enegrece a mente, mas já torno,
Como a si mesmo o mesmo campo, ao dia
Superfície da vida.


90

Vou dormir, dormir, dormir
Vou dormir sem despertar,
Mas não dormir sem sentir
Que stou dormindo a sonhar.

Não a insciência e só treva
Mas também strelas a abrir
Olhos cujo olhar me eleva,
Que stou sonhando a dormir.

Constelada inexistência
Em que só vive de meu
Uma abstracta insciência
Una com strelas e céu.


103

Sê lanterna, dá luz com vidro à roda.
Da luz o calor guarda.
Não poderão os ventos opressivos
Apagar tua luz;
Nem teu calor, disperso, irá ser frio
No inútil infinito.


104

Se recordo quem fui, outrem me vejo,
E o passado é um presente na lembrança.
Quem fui é alguém que amo
Porém somente em sonho.
E a saudade que me aflige a mente
Não é de mim nem do passado visto,
Senão de quem habito
Por trás dos olhos cegos.
Nada, senão o instante, me conhece.
Minha mesma lembrança é nada, e sinto
Que quem sou e quem fui
São sonhos diferentes.


149

Vivem em nós inúmeros
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.

Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faça-os calar: eu falo.

Os impulsos cruzados
DO que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu escrevo.


155

[...] E um só momento nos sentimos deuses
Imortais pela calma que vestimos
E a altiva indiferença
Às coisas passageiras.

Como quem guarda a c'roa da vitória
Estes fanados louros de um só dia
Guardemos para termos,
No futuro enrugado,

Perene à nossa vista a certa prova
De que um momento os deuses nos amaram
E nos deram uma hora
Não nossa, mas do Olimpo.


163

[...] Tudo, e um frio que não há me entra
Na alma. Não existes.


171

Sob estar árvores ou aquelas árvores
Conduzi a dança,
Conduzi a dança, ninfas singelas
Até ao amplo gozo
Que tomais da vida. Conduzi a dança
E sê quasi humanas
Com o vosso gozo derramado em ritmos
Em ritmos solenes
Que a vossa alegria torna maliciosos
Para nossa triste
Vida que não sabe sob as mesmas árvores
Conduzir a dança...












Apêndice

183

E quanto sei do Universo é que ele
Está fora de mim















Odes e Outros Poemas Variantes
VI A

O ritmo antigo que há nos pés descalços
Esse ritmo das ninfas copiado
Quando sob arvoredos
Batem o som da dança -

Pelas praias às vezes, quando brincam
Ante onde a Apolo se Neptuno alia
As crianças maiores,
Tem semelhanças breves

Com versos já longíquos em que Horácio
Ou mais clássicos gregos aceitavam
A vida por dos deuses
Sem mais preces que a vida.

Por isso à beira deste mar, donzelas,
Conduzi vossa dança ao som de risos
Soberbamente gregas
Pelos pés nus e a dança

Enquanto sobre vós arqueia Apolo
Como um ramo alto o azul e a luz da hora
E há o rito primitivo
Do mar lavando as costas.


IX a

Coroai-me de rosas!
Coroai-me em verdade
De rosas!

Quero toda a vida
Feita desta hora
Breve.

Coroai-me de rosas
E de folhas de hera,
E basta!


IX b

Coroai-me de rosas.
Coroai-me em verdade
De rosas.

Quero ter a hora
Nas mãos pagãmente
E leve,

Mal sentir a vida
Mal sentir o sol
Sob ramos.

Coroai-me de rosas
E de folhas de hera
E basta.




~








Fernando Pessoa, como Ricardo Reis :)

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