Sentei-me na frente do espelho, estava um lixo, meu rosto inchado de lágrimas, a maquiagem manchando-o, pensei se estaria assim internamente também, mal conseguia respirar, meus pulmões estavam negros de tanto fumar, tinha dias em que eu somente fedia a cigarro, talvez fosse um. Apenas mais um na fábrica, pronto para ser tragado, e o resto, jogado no chão. Já era cinco da manhã, Alejandro era a música do último número, Emilie gostava daquela cantora.
O ar quente do camarim, cheirando à escravas da madrugada, não me incomodava mais, acostumei-me.
Peguei um algodão úmido com leite-de-rosas, e fui limpando meu rosto, tão belo por fora, tão destruído por dentro, penteei meu cabelos preto, era tão liso que nem precisava-se pentear, mas minhas mãos queriam fazer alguma movimentação, estava completamente desesperada, e minha alma já estava seca de tanto chorar, chega de chorar!
Aline, Tereza e Maria entraram no camarim, na madrugada se chamavam Alexa, Tânia e Margarida, eu não gostava do meu nome, nem da minha nova identidade, nada mais importava, o mundo é a boca de um fumante, a gravidade são seus pulmões.
Aline, a desbocada, foi logo despindo-se de sua lingerie branca. Tereza, a drogada, de praxe, chegou falando secamente do seu incerto futuro. Maria, a silenciosa, discreta nos seus modos, apenas sorria para o meu reflexo. A música cessou, e tão rápido Emilie também entrou no camarim, um doce de menina, tinha apenas 15 anos, e por algum motivo fugira de casa, e parara de frequêntar a escola para dançar.
Uma lágrima intrometida desceu de mim, a mulher sem identidade, eu ainda pensava em viajar para bem longe, e construir uma família, junto com qualquer homem que não me abandonasse.
Emilie se aproximou de mim e perguntou se eu estava bem, sua voz doce acalmou um pouco meu coração. É difícil estar bem após ser obrigada a praticar um aborto, pelo meu emprego, o de instigar o pensamento masculino, algumas vezes feminino. Não podia abandoná-lo em qualquer hipótese, era o único que eu tinha, e devia seguir as regras e os deveres do contrato.
Emilie chamou com a mão as outras dançarinas, submissas pelo mesmo contrato que o meu, submissas pelas mesmas madrugadas que as minhas, e, quem sabe, submissas por dores parecidas com as minhas.
Todas nos afagamos, melancólicas, de frente para o vantajoso espelho, que não mostrava o que sentíamos, mas mostrava o quanto belas éramos. E beleza é tudo o que importa nesse mundo tão podre.
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Andrew Oliveira, ou Black Cherry :)
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