Solitude, darkness and love


"I don't wanna admit, but we're not gonna fit"

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Ilusão Inconstante




Eu te amo de um jeito inconsciente
Formas e visões inconsistentes
Poderia te amar de manhã,
Com cabelos desgrenhados de cuidados
Morder teus sorrisos tão dóceis
Engolir tuas fotografias
Roçar no teu rosto corado, lavá-lo,
Preparar um café pra te despertar
Ou ficar mais cinco minutos contigo na cama.

Poderia te amar de tarde,
Agarrar-te no calor do nosso cansaço
Almoçar e depois tomar um banho contigo,
Cochilar no teu corpo, cochilar na tua vida.
Andar de ônibus e comprar roupas pra te agradar
Ler poemas em voz alta para acalmar tuas ansiedades
Pode ser que poemas não a curem
Mas quem se importa?

Poderia te amar de noite,
Usar as roupas novas, irmos ao cinema
Assistir a um filme de terror
Jantar num restaurante caro
Andar de madrugada pelas ruas da nossa cidade
Te beijar durante o caminho de volta para casa
Apontar os seus defeitos tão supérfluos
Me encantar com a tua gentileza
Transarmos,
Sonharmos com uma filha.

Poderia te amar entre dois pólos,
Te amar de certo, te amar de errado,
Mas desta vez
Vou destruir isso somente dentro de mim mesmo,
E enterrar os restos no quintal da minha solidão.








~








Andrew Oliveira,

terça-feira, 22 de junho de 2010

Amplexos


Eu vou largar minhas angústias por aí
Enegrecer qualquer coisa,
Portas, cadeiras, canetas,
Brincar de desenhar com meu vazio,
O oceano do meu vazio.
Vou pintar um muro de amarelo
Dormir ao lado das gaivotas,
Correr nas páginas de um livro entediante
Forçar uma alegria inexistente
Encontrar o que eu não queria
Procurar o que eu não achava
Ligar a TV e não assistir
Abrir a geladeira e esperar o gelo molhar
Devagar...

Eu vou destruir navios com as minhas mãos
Queimar um mundo por não ter mais nada,
Queimar-te aquelas angústias
Queimar-te as valsas
Do corrimão daquela escada sem fim

O que quer que seja
Onde quer que esteja
Pra esquecer o medo amarrotado do meu coração.








~









Andrew Oliveira, ou outro desconhecido...

quinta-feira, 17 de junho de 2010

As Dançarinas: 1 - Estética


Sentei-me na frente do espelho, estava um lixo, meu rosto inchado de lágrimas, a maquiagem manchando-o, pensei se estaria assim internamente também, mal conseguia respirar, meus pulmões estavam negros de tanto fumar, tinha dias em que eu somente fedia a cigarro, talvez fosse um. Apenas mais um na fábrica, pronto para ser tragado, e o resto, jogado no chão. Já era cinco da manhã, Alejandro era a música do último número, Emilie gostava daquela cantora.

O ar quente do camarim, cheirando à escravas da madrugada, não me incomodava mais, acostumei-me.

Peguei um algodão úmido com leite-de-rosas, e fui limpando meu rosto, tão belo por fora, tão destruído por dentro, penteei meu cabelos preto, era tão liso que nem precisava-se pentear, mas minhas mãos queriam fazer alguma movimentação, estava completamente desesperada, e minha alma já estava seca de tanto chorar, chega de chorar!

Aline, Tereza e Maria entraram no camarim, na madrugada se chamavam Alexa, Tânia e Margarida, eu não gostava do meu nome, nem da minha nova identidade, nada mais importava, o mundo é a boca de um fumante, a gravidade são seus pulmões.

Aline, a desbocada, foi logo despindo-se de sua lingerie branca. Tereza, a drogada, de praxe, chegou falando secamente do seu incerto futuro. Maria, a silenciosa, discreta nos seus modos, apenas sorria para o meu reflexo. A música cessou, e tão rápido Emilie também entrou no camarim, um doce de menina, tinha apenas 15 anos, e por algum motivo fugira de casa, e parara de frequêntar a escola para dançar.

Uma lágrima intrometida desceu de mim, a mulher sem identidade, eu ainda pensava em viajar para bem longe, e construir uma família, junto com qualquer homem que não me abandonasse.

Emilie se aproximou de mim e perguntou se eu estava bem, sua voz doce acalmou um pouco meu coração. É difícil estar bem após ser obrigada a praticar um aborto, pelo meu emprego, o de instigar o pensamento masculino, algumas vezes feminino. Não podia abandoná-lo em qualquer hipótese, era o único que eu tinha, e devia seguir as regras e os deveres do contrato.

Emilie chamou com a mão as outras dançarinas, submissas pelo mesmo contrato que o meu, submissas pelas mesmas madrugadas que as minhas, e, quem sabe, submissas por dores parecidas com as minhas.

Todas nos afagamos, melancólicas, de frente para o vantajoso espelho, que não mostrava o que sentíamos, mas mostrava o quanto belas éramos. E beleza é tudo o que importa nesse mundo tão podre.







~








Andrew Oliveira, ou Black Cherry :)

sábado, 12 de junho de 2010

Entre Dois Pulmões


Entre dois pulmões isso foi liberado
A respiração que me capturou
O suspiro que me soprou à frente

Porque estava preso
Preso entre dois pulmões
Isso estava preso entre dois pulmões

Isso estava preso entre dois pulmões

E meu pé correndo podia voar
Cada suspiro gritando:

"Todos nós somos muito jovens para morrer!"

Entre dois pulmões isso foi liberado!
A respiração que passou de você para mim
Que voou entre nós enquanto dormíamos
Que deslizou da sua boca para a minha
Estava cravado entre dois pulmões
Isso foi liberado
O suspiro que passou de você para mim
Que voou entre nós enquanto dormiamos
Que deslizou da sua boca para a minha
Isso cravou

Porque estava preso
Presso entre dois pulmões
Isso estava preso entre dois pulmões

Agora todos os dias de preces
Os dias de roubos
Não mais ofegando por um suspiro
O ar me preencheu da cabeça aos pés!
E eu posso ver o chão distante
Eu tenho esse suspiro
E me seguro forte à ele
E eu o guardo em minha caixa
Com toda a minha força

Eu rezo a Deus que esse suspiro possa durar

Enquanto ele empurra-se contra meus lábios

Enquanto eu suspiro!






Respire!







~







Florence Welch (Da Florence + The Machine), para esse dia que me foi especial ;D

Aconselho a procurar essa música maravilhosa ;*


Foto: Björk Gudmundsdóttír por Warren Du Preez

domingo, 6 de junho de 2010

Noite dos Esquecidos






















De palmos em palmos celestes
As estrelas brotam do céu
Egoístas, seguras de si
Algumas despertam de uma grande hibernação
Outras resplandecem por atenção

As estrelas são sujas, ácidas,
Corroem crepúsculos e sons vindos da terra
As estrelas, todas elas, cadentes
de ira, e de seda das trevas.

Mas mal sabem as estrelas
Que a qualquer momento elas podem sumir
Nas mãos da escuridão de onde saíram...






O universo é pequeno demais para todas elas.






~








Andrew Oliveira, ou Black Cherry :)

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Cânone da Tempestade:5 - Tempestade II


Um escorpião passeou pelo meu corpo nu, injetando seu veneno letal perfurando minha pele vulnerável, arranhou-me as costas, lambeu meu sexo ereto e pulsando de desejo, mordeu minha boca rosada, roçou em minhas nádegas suadas, meu corpo suado, nadou nos meus cabelos, percorreu seu ferrão afiado deixando-me completamente submisso aos seus caprichos, o escorpião transformou-me em devasso, ele se tornou escuridão, então fiquei na escuridão. Cuspiu veneno na minha face, passou a língua em minhas bochechas coradas. E, então, meu corpo destrancou-se das correntes.

O deserto ardia na minha pele despida, corri nu pelas dunas colossais, meus pés afundavam na areia da dor, fugi do escorpião, e de suas garras sensuais que queriam me tornar seu escravo em seu quilométrico palácio pagão, meu peito ardia, não conseguia respirar. A escuridão dele me perseguia, até que a cegueira que me atingia deixou tudo branco, meio cinza, como aquela cidade em que eu queria mais é sair o mais rápido possível.



Me senti completamente indefeso, cego, nu, violado, com frio, até que veio a imagem do sorriso que eu vi uma única vez na minha vida, o sorriso mais especial do mundo, o melhor sorriso do mundo, mesmo com aqueles olhos que guardavam tantas mágoas, mesmo com a morte, eu percebi que ele foi feliz ao meu lado, eu o fiz feliz, e isso o satisfez. Naquele momento eu havia entendido, mas não sabia, o sorriso de Danilo Armand foi feito para me salvar.







Então me tornei luz...






~





Cânone da Tempestade - Fim.






~









Andrew Oliveira, ou Black Cherry :)

Cânone da Tempestade:5 - Tempestade I




Talvez ele não estivesse tão satisfeito comigo, ou nem tão feliz como parecia, talvez ele tenha sido apenas uma máscara durante os dois anos em que estive com ele. Eu não havia parado de pensar em Danilo Armand um minuto sequer desde a primeira vez em que o vi.

Minhas malas já estavam prontas, eu ía sair da cidade Cartesis, não queria mais ficar ali, aquele ar me intoxicava, me deixava com lembranças ruins. Dei um último passeio pela cidade nebulosa, e fiquei um tempo observando o quintal cheio de flores silvestres da casa de Danilo, seu irmão deveria estar por aí, jogado em algum beco com o braço entrando em processo de necrose, bem feito, pensei.

A garoazinha inocente cresceu para uma chuva grossa, espessa. Corri de volta para o meu apartamento, minha mãe decidiu que íamos embora depois que a chuva ficasse mais fraca, mas não ficou. E partimos.

A estrada estava um inferno, os faróis dos carros até foram acendidos para não ocorrerem acidentes, a chuva grossa tornou-se tempestade, meu coração fragilizado tornou-se tempestade, eu não tinha ido ao enterro de Danilo Armand, não queria me despedir dele, para mim, ele ainda estava vivo, dando o seu único sorriso.





Minha sombra tornou-se luz, e a luz que me guiava tornou-se sombra, eu estava brilhando, mas não conseguia ver para onde meu caminho áspero iria se trilhar, uma imagem de Danilo violentou os meus olhos, e me tornei cego de mim mesmo.




~





Continua...





~







Andrew Oliveira

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Ricardo Reis, amigo dos Deuses

Olá pessoal (alguém aí?), estava lendo alguns livros de Fernando Pessoa, incorporando seu heterônimo Ricardo Reis, seu segundo, depois de Alberto Caeiro. Resolvi separar alguns, os que eu mais gostei, e colocar no meu blog, muito lindos, quando eu ler mais, vou separar mais e postar aqui :)



Odes e Outros Poemas - Parte II

5

[...] Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos Inocentes da decadência

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

Pagã triste e com flores no regaço. [...]


7

Ao longe os montes têm neve ao sol,
Mas é suave já o frio calmo
Que alisa e agudece
Os dardos do sol alto.


77

O relógio do sol marca
Do mesmo modo que o inteiro lapso
Da mesma hora perdida...
O mesmo gozo com que esqueço, ou o julgo,
A vida, finda, me a mim mesmo mostra
Mais fatal e mortal,
Para onde quer que siga a certa noite
Como quer que a entendamos.


78

Solene passa sobre a fértil terra
A branca, inútil nuvem fugidia,
Que um negro instante de entre os campos ergue
Um sopro arrefecido.

Tal me alta na alma a lenta ideia voa
E me enegrece a mente, mas já torno,
Como a si mesmo o mesmo campo, ao dia
Superfície da vida.


90

Vou dormir, dormir, dormir
Vou dormir sem despertar,
Mas não dormir sem sentir
Que stou dormindo a sonhar.

Não a insciência e só treva
Mas também strelas a abrir
Olhos cujo olhar me eleva,
Que stou sonhando a dormir.

Constelada inexistência
Em que só vive de meu
Uma abstracta insciência
Una com strelas e céu.


103

Sê lanterna, dá luz com vidro à roda.
Da luz o calor guarda.
Não poderão os ventos opressivos
Apagar tua luz;
Nem teu calor, disperso, irá ser frio
No inútil infinito.


104

Se recordo quem fui, outrem me vejo,
E o passado é um presente na lembrança.
Quem fui é alguém que amo
Porém somente em sonho.
E a saudade que me aflige a mente
Não é de mim nem do passado visto,
Senão de quem habito
Por trás dos olhos cegos.
Nada, senão o instante, me conhece.
Minha mesma lembrança é nada, e sinto
Que quem sou e quem fui
São sonhos diferentes.


149

Vivem em nós inúmeros
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.

Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faça-os calar: eu falo.

Os impulsos cruzados
DO que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu escrevo.


155

[...] E um só momento nos sentimos deuses
Imortais pela calma que vestimos
E a altiva indiferença
Às coisas passageiras.

Como quem guarda a c'roa da vitória
Estes fanados louros de um só dia
Guardemos para termos,
No futuro enrugado,

Perene à nossa vista a certa prova
De que um momento os deuses nos amaram
E nos deram uma hora
Não nossa, mas do Olimpo.


163

[...] Tudo, e um frio que não há me entra
Na alma. Não existes.


171

Sob estar árvores ou aquelas árvores
Conduzi a dança,
Conduzi a dança, ninfas singelas
Até ao amplo gozo
Que tomais da vida. Conduzi a dança
E sê quasi humanas
Com o vosso gozo derramado em ritmos
Em ritmos solenes
Que a vossa alegria torna maliciosos
Para nossa triste
Vida que não sabe sob as mesmas árvores
Conduzir a dança...












Apêndice

183

E quanto sei do Universo é que ele
Está fora de mim















Odes e Outros Poemas Variantes
VI A

O ritmo antigo que há nos pés descalços
Esse ritmo das ninfas copiado
Quando sob arvoredos
Batem o som da dança -

Pelas praias às vezes, quando brincam
Ante onde a Apolo se Neptuno alia
As crianças maiores,
Tem semelhanças breves

Com versos já longíquos em que Horácio
Ou mais clássicos gregos aceitavam
A vida por dos deuses
Sem mais preces que a vida.

Por isso à beira deste mar, donzelas,
Conduzi vossa dança ao som de risos
Soberbamente gregas
Pelos pés nus e a dança

Enquanto sobre vós arqueia Apolo
Como um ramo alto o azul e a luz da hora
E há o rito primitivo
Do mar lavando as costas.


IX a

Coroai-me de rosas!
Coroai-me em verdade
De rosas!

Quero toda a vida
Feita desta hora
Breve.

Coroai-me de rosas
E de folhas de hera,
E basta!


IX b

Coroai-me de rosas.
Coroai-me em verdade
De rosas.

Quero ter a hora
Nas mãos pagãmente
E leve,

Mal sentir a vida
Mal sentir o sol
Sob ramos.

Coroai-me de rosas
E de folhas de hera
E basta.




~








Fernando Pessoa, como Ricardo Reis :)