Solitude, darkness and love


"I don't wanna admit, but we're not gonna fit"

sábado, 16 de junho de 2012

Witch Fire - Último Capítulo: Charlotte



Cernunnos disse:
- Eis que aqui faremos da terra e do ar o antro de moradia das nossas criaturas.
Pois nessa época Cernunnos viva entre as estrelas e os oceanos de constelações, mundos magnânimos que surgiam, viviam e desapareciam. Mundos que respiravam e mundos que assassinavam, pois era essa a ordem das coisas.
Cernunnos se fez gigante, uma forma bela e sem pêlos, de uma pele lisa e longos cabelos escuros. Sentou-se sobre Gaia, sua irmã, e invocou Krishna, Huracán, Hiperion, e tantos outros deuses para ajudá-lo com seus ideais. Tiveram uma longa e profunda conversa e aceitaram subjugar-se às ordens de Cernunnos, pois os deuses também tinham suas próprias ambições. Cernunnos pegou um punhado de Gaia e, como Huracán, assoprou sobre um buraco negro que nascia nas complexidades dos universos. Huracán, com seu toque, encheu de água e névoa aquela pequena bola, que crescia num ritmo espantoso. Gaia ajudou com as árvores, os animais e as demais organizações naturais. Krishna tratou de cuidar do fogo e Hiperion, o que amarrava linha por linha, dimensão por dimensão, para nunca escorregar, desatar ou arrebentar, para que jamais aquele mundo se desorganizasse e a ordem do tempo se bagunçasse. Os multiversos já eram bagunçados demais para que aquele pequeno cantinho de harmonia também o fosse.
Cernunnos e os deuses mais fortes criaram então, em meio à escuridão e à incompreensão, a Vida. A vida era curiosa, mortal, estranha, algo totalmente novo para os que vagavam pela eternidade em mundos que não lhes pertenciam. Mas ainda faltava algo para o equilíbrio completo, e foi Hiperion quem disse:
"Traga o Deus-Lobo. A fera das dimensões, o fogo das estrelas e o criador do Bem e do Mal. O Deus-Lobo não surgirá, ele não terá forma, pois ele é. E ele sendo, tu compreenderás o que falta."
Foi a única vez em milênios que Hiperion havia falado. E Cernunnos, pouco questionador, resolveu trazer o Deus-Lobo para aquele mundo.
E do verbo do Deus-Lobo, do fogo de Krishna e da névoa de Huracán, dos poderes de Hiperion e da sabedoria de Cernunnos, nasceu o homem, a falha e o instrumento, e depois a Bruxa, o prodígio e a celebração.


~
1637

Catherine arfou, estava nos seus últimos segundos de vida, e seu corpo já tinha o cheiro da morte. Sua pele enrugada e seca sobre os ossos já cansados, pálida e com os cabelos cinzas como pele de serpente na cama. A janela estava aberta para arejar e lhe dar um pouco de frescor. Seus olhos doíam e suas pálpebras faziam um enorme esforço pra se fechar, mas ela sabia que, quando os libertasse daquilo, o final chegaria. Ela tentou se lembrar de alguma coisa, embora sua cabeça latejante a impedisse de pensar muito. Noventa e sete anos, os gritos de Isabelle ainda retumbavam nos seus tímpanos como tambores furiosos de um círculo de xamãs entorpecidas.
Xamãs... Isabelle tinha o talento para tornar-se uma?
Ela nunca teve a chance de cogitar tal transformação. Isabelle foi tão voraz na sua curta vida quanto efêmera.
"Lembrem-se de Metatron, lembrem-se do anel de esmeralda. Ele permeará. Ele será uma fonte de sangue sobre o mundo que os humanos conhecem. O anel de um anjo que fará o inferno."
Isabelle sempre teve um talento nato para previsões, e talvez isso fosse um ponto positivo que daria uma certeza de ela algum dia tornar-se uma xamã. Não seria fácil. Mas ela tinha mais sangue CoeurCourt do que qualquer uma naquela família. Isabelle não era poderosa como tantos achavam, mas era esperta, inteligente, e esforçada, e foi isso que a impulsionou aos talentos e artimanhas de ser uma bruxa. Talvez, numa infância perdida, ela bem poderia se passar por uma humana normal. Mas, e quando os poderes se manifestassem e não houvesse bruxa alguma alí por perto para ajudá-la a compreender?
Homens não podem ser bruxos, isso é impossível, pois o homem era a falha e o instrumento, era apenas uma pequena ponte para o nascimento de uma bruxa. Estava tudo no sangue, estava tudo na mente, estava tudo na crença, na fé, e no raio de um sol ou no reluzir de uma lua coberta por nuvens célebres. É tão delicada a forma que nasce uma bruxa, e então vem aquela lufada de poder que a menina toma da mãe quando esta dá-lhe a luz. Esse poder instintivo que é impossível uma criatura da raça humana ter. Mas e aquele homem? Ele não devia ser um homem. Provavelmente um príncipe de outra dimensão (alguma que aquelas malditas Escuras tanto bagunçaram nas suas fugas tolas?), ou um Demônio disfarçado? Estava fora da compreensão ele ser um deus, ela não sentiu poder algum vindo dele. E quando ela, Catherine, o cumprimentou e o abraçou, seu cheiro era de homem, seus trejeitos eram humanos. Mas das suas mãos, e apenas delas, emanavam aquela força, tal qual uma Bruxa Clara. Como um humano, e ainda mais, um homem, poderia ser um bruxo?
Mas ele era, ele fazia previsões tão boas quanto Rosanne. Rosanne, a lendária. Rosanne, a magnânima. Rosanne, a inescrupulosa. Ela nunca teve certeza se deveria sentir orgulho ou vergonha de Rosanne, e agora era tarde demais para isso. E quando a própria Rosanne surgiu no vão da porta com uma rosa vermelha e recém-colhida, ela ouviu o coração no seu ventre. Seu nome seria Mary Chrétien (Rosanne tinha uma falta de criatividade horrenda para nomes, e mais uma vez colocaria Mary como primeiro nome), irmãzinha de Mary Donna, e ela renegaria o próprio sangue. Depois de Mary Chrétien, Rosanne ainda pensaria numa terceira filha, e esta seria a caçula. Sendo a caçula, provavelmente teria o nome mais doce e sensível na ponta da língua, algo como Mary Alice.
Era irônico que alí, no seu leito de morte, ela pudesse prever até a personalidade das futuras Claras do clã CoeurCourt.
Rosanne colocou a rosa na cabeceira do criado-mudo e se ajoelhou diante da cama, com o odor do hálito podre da velha Catherine e seus cabelos há dias não-lavados. Para que serviria cabelos limpos na hora de sua chegada?
E então Mary Donna, uma menina magricela e alta, com seus nove ou dez anos de idade, também entrou no quarto segurando uma rosa vermelha. Para que uma rosa vermelha para uma semi-morta? Isso era tão desnecessário, um gesto tão cruel e mesquinha quanto belo e sensível. Uma corda primária de um sentimento que nem bruxas compreendiam.
Catherine virou um pouco o rosto de lado, naquele maldito travesseiro enorme e abafado que fazia suar sua nuca, e viu um relampejo de Isabelle em Mary Donna. Mary Donna era praticamente idêntica à Isabelle. E por quê? Ela precisava, naquelas últimas horas agoniantes de sua pseudo-vida, lembrar-se com mais clareza. Sua mente estava uma bagunça, e no entanto as imagens que vinham nela eram claras e sucintas, nunca obscuras como outrora foram a sua vida inteira.
Aquele homem, aquele bruxo que copulou com Samarah, sua irmã, e dessa união nasceu Isabelle, a esforçada Isabelle, que herdara os cabelos negros e cacheados e os olhos verdes de toda CoeurCourt, mas que também herdara, e até demais, a beleza andrógina daquele homem que, se se vestisse de bruxa, poderia enganar facilmente outros homens. Sim, Mary Donna tinha essa aparência máscula e feminina, ambígua, andrógina, as sobrancelhas também lhe eram muito semelhantes, e se Isabelle não estivesse agora mutilada e enterrada no seu quintal, Catherine poderia jurar que era ela alí, segurando uma rosa para a tia, um pouco mais crescida, retornando para o lar.
Então, num dos seus últimos átimos de pensamentos, ela também conseguiu recuperar mais uma lembrança. Faltava pouco para as coisas se encaixarem, aquele quebra-cabeças que a dinastia CoeurCourt jogou para todos os cantos do mundo. Samarah certa vez tivera uma discussão horrenda com Rosanne, e as duas se violentaram, se machucaram, e depois choraram juntas. Elas haviam tecido um destino sem querer, um destino que há tempos e tempos, Aalyah CoeurCourt lhes dissera para não tecer. Catherine, por respeito às duas, não fez nenhuma previsão e tampouco leu suas mentes, mas ela sabia, e o destino lhe era óbvio.
Elas amaram o mesmo homem.
E se Isabelle disse, se Isabelle tinha o mesmo pai que Mary Donna, Mary Donna também deveria saber, Mary Donna também deveria lutar pelo que Isabelle lutara. A destruição do anel. Como ela conseguiria? Como ela obteria êxito se as mais poderosas agora estavam enterradas também no quintal da mansão por causa do anel? Mary Donna não parecia ter muito futuro como uma bruxa, tampouco como xamã, ela se entregaria às formas mais convenientes de canalizar poderes e se tornaria uma Escura? Agora ela estava arfante demais para responder. Mas ela tinha que confiar em Mary Donna, Mary Donna era a nova peça do quebra-cabeça, a nova rainha do xadrez, e querendo ou não, o homem andrógino, Rosanne e Samarah, e por último Isabelle, teceram o destino de Mary Donna antes que ela pudesse se dar conta disso.
Ela, com muito esforço, falou numa voz rouca e fálica o nome de Mary Donna, e Rosanne compreendeu e puxou a menina magricela para perto da velha senhora mórbida. Catherine, com sua garra direita, enrugada, murcha e cheia de dedos ossudos, segurou com toda a força que pôde a mãozinha branquela de Mary Donna, e lhe disse, no último fiapo de vida que lhe restava:
- Mate Charlotte.

~
1680

- Auguste, tu não podes ir. - disse uma Ammaleth chorosa e insistente para o homem que a abraçava e não queria de modo algum largá-la.
- Eu não quero te perder, Ammaleth. Eu quero ir contigo, lutar contigo. Não é justo você me proteger mais do que eu tento lhe proteger. E eu... Louvier é meu irmão, é meu dever ir com vocês.
- Auguste, não irás gostar destas dimensões. Elas são algo que não pertencem aos humanos, porque para eles o mundo real é este aqui. Tu podes enlouquecer se fores conosco, ou pior, podes nunca mais querer sair de lá. Todas as outras raças podem atravessar dimensões, menos a humana, porque o Deus de vocês proclamou para Cernunnos que seria desse jeito.
- Ammaleth, eu só não... Entendo. Aconteceu tudo tão rápido, me contastes que era bruxa, e então fizestes chover sobre o sol, e então Louvier foi seduzido por um bacante que, pelo que entendi era uma espécie de marionete da tua irmã. E então... Eu não pude fazer nada.
- Auguste, me escute, nada disso é culpa sua. As coisas acabaram ficando... Mais desastrosas por culpa minha. Eu deveria ter sido mais eficiente, ter pensado mais rápido, unido as pontas, qualquer coisa. Mas fui tola e achei que teria tempo. E agora preciso consertar esse meu erro.
- Ammaleth...
Auguste a abraçou tão forte que Ammaleth só pôde desejar respirar através do corpo que a pressionava. Ela ouviu alguns soluços no seu pescoço e sentiu as lágrimas mornas de Auguste na pele do ombro semi-descoberto, e o pressionou contra o seu corpo também. Auguste lhe deu um beijo tão longo, carinhoso e desastrado que ela desejou desistir dos seus objetivos e ficar apenas alí, sentindo o homem que ela amava tocá-la apenas do jeito que ela conhecia.
- Agora terei que ir, minhas irmãs me esperam.
Auguste a fitou ansioso, e com a expressão mais cabisbaixa que poderia expressar.
- Me sinto tão impotente, e...
- Auguste, eu não sou humana. Pertenço a uma outra raça. O teu sangue jamais poderá compreender o meu. Por mais que eu deseje. Por mais que eu explique.
Auguste agora estava soluçando baixinho. E Ammaleth lhe deu as costas para entrar na floresta, segurando-se ao máximo para não soluçar também. Até lá, as lágrimas já estariam secas, como um rio que decidiu falecer, e por muito tempo, não mais voltar.


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1656

Mary Alice pariu e Mary Donna arrancou o cordão umbilical com as próprias mãos, para estrangular o bebê logo em seguida.
- IRMÃ, NÃO! IRMÃ! DEIXE-A!
- Não me ouvistes, Mary Alice? Ela não pode ser Charlotte.
- O NOME DELA É MAYA!
- Não me importa. É tua primogênita.
- IRMÃ, POR FAVOR!
Mary Alice saiu do leito e se arrastou no chão, escorregando no próprio líquido amniótico e puxando a bainha do vestido negro de Mary Donna, que a olhava com fúria. Mary Donna ergueu apenas um dedo e Mary Alice desmaiou, pálida e pueril no seu desespero em não perder a filha.
Mary Donna segurou o bebê choroso sem qualquer compaixão. Pegou-o pelo pescoço com as duas mãos, fechou os olhos, e a pequena criatura em seus braços vomitou sangue pelos olhos, narinas e ouvidos. Estava morto. Ela pegou um manto escuro e enroscou o corpo que esfriava rapidamente para enfim enterrá-lo. Tirou o suor da testa, abriu as cortinas do quarto e depositou Mary Alice de volta na cama grotesca. Então envolveu o corpo em seus braços e abriu a porta, Mary Chrétien a olhava com desdém.
- Que forma horrenda de se viver...
- Chrétien, saia da minha frente, tenho pressa.
- Afundada em profecias, maldições. Dominada pela morbidez, pelas ordens do Mal. Isso é viver, Mary Donna? Com uma criança assassinada nos braços sempre que lhe for conveniente por medo de propagar uma maldição?
Mary Donna desocupou um dos braços para esbofetear Mary Chrétien, mas a irmã do meio foi mais rápida e lhe empurrou com força contra a parede, sem mover um único fio de cabelo para isso.
- Não te esqueças também que também pertenço a esta raça pestilenta. A esse erro dos deuses.
- Já que detestas tanto o que és, vai-te embora daqui, te mistura com aqueles porcos humanos, e para de me encher a paciência, sua miserável!
Foi a vez de Mary Donna empurrar Mary Chrétien com a força do pensamento. Mary Chrétien, no entanto, rolou da escada horrívelmente e deslocou um ombro, rogando-lhe pragas no salão de entrada. Mary Donna desceu indiferente à irmã espumosa de raiva, a renegada da família, a que tinha nojo apenas por existir.
Mary Donna desceu as escadas espirais, com detalhes em gesso minimalistas, passeou pelo salão suntuoso e coberto de tapetes, pinturas e lustres, e pelos corredores a passos apressados. As portas do fundo se abriram para ela. O quintal estava agradável, com uma brisa gelada, característica da vila de Clevelier, rodeada por montanhas, perdida em alguma parte da França medieval. O crepúsculo lutava com raios e tintas desbotadas contra as nuvens cinzentas nos altares montanhescos, riscos de gaivotas e corvos. As gaivotas mais para lá, para perto de um mar esmeraldino. E os corvos para cá, para onde os mortos se escondem em florestas ocultas por deuses.
Uma pontada no peito se transformou numa dor horrível no ventre. Mary Donna parou para recuperar o fôlego perdido em segundos e apertou o bebê morto com ainda mais força contra os seios. Sentiu vontade de chorar, de gritar, pois aquele era o sinal. Era assim que uma bruxa sabia sabia quando já era dona da vida de uma nova bruxa.
Ela se sentiu na pele de Catherine.
E decidiu fechar os olhos.
Estava correndo, estava cansada e amargurada, o vestido rasgado nas mangas e próximo aos seios. E suas mãos, secas com o sangue da filha de Mary Chrétien, Anabelle. E Anabelle seria tão parecida com Catherine, e quando crescesse, uma cópia perfeita, e quando envelhecesse, teria a mesma morte. E amaria um homem, um homem que seria disputado pela sua prima ainda não nascida, e agora tão bem escondida. Enrolada num manto negro, pronta para ser enterrada. E ela caiu, e bateu a cabeça com força num tronco, antes que um caçador atravessasse sem querer uma flecha no seu coração, e Mary Donna não era imortal. O caçador a levou para sua morada e cuidou do ferimento horrendo e inchado na cabeça da bruxa, embora ela mesma pudesse se curar sozinha, deixou o homem fazer o que se sentia na obrigação de fazer.
Ele tinha os ombros largos e falava de modo meio rude, suas mãos eram pesadas e enormes, ásperas e calejadas de tanto trabalho nos campos. Mas sua voz era baixa e grave, e agradável aos ouvidos. Sua pele era de um branco quase pardo, encardido, poderia-se definir. E seus olhos eram escuros e profundos, com cílios retos e cabisbaixos e sobrancelhas tristes, dando-lhe um ar de constante melancolia. Seus cabelos eram castanhos e lisos, sempre bagunçados como um ninho a enfeitar-lhe a cabeça. Seus braços e ombros eram fortes devido ao trabalho pesado, e suas coxas, grossas e apertadas na calça de couro marrom, segura com um cinto e finalizada nas botas vindas do mesmo couro, amarradas com cordas finas. Tudo de uma matéria bruta. Um verdadeiro camponês. Ela se sentiu encantada pelo fato da sua aparência ser tão voraz e rude, e no entanto, ele ser um humano tão gentil e atencioso.
Humanos não eram tão grotescos quanto ela pensava, afinal. E ainda não querendo voltar para aquela mansão horrenda, pediu para ficar alguns dias na casa dele. Ele era obviamente um homem só, e que lhe respondeu com urgência que seria uma obrigação ele cuidar de seu ferimento, pois o acidente fora causado pela sua distração em não vê-la e quase matá-la com uma flecha.
Foi a única vez que ela se sentiu em paz, aquelas poucas três semanas na casa do homem que quase a matou e que cuidou delicadamente da sua ferida. A ferida que ela poderia curar em segundos, se quisesse, mas preferiu não se lembrar desse detalhe, era melhor varrê-lo para debaixo do tapete.
Por uma única vez ela se sentiu livre daquele mundo que esmagava cada osso da sua caixa torácica sem piedade se ela não continuasse a respirar. E que contradição, desdenhar e subjugar tanto os seres humanos e ter sua primeira vez caminhando nas águas da tranquilidade e da alegria com um deles.
Carlo di Saint Miguel, que tinha apenas um irmão, Amaro di Saint Miguel, com seu filhinho Auguste, e no ventre da esposa indiferente, Louvier. Carlo decidiu não ter filhos, pois um dia iria se tornar padre. Ele só não sabia quando.
Quando Carlo chegava, Mary Donna passou a cuidar de suas feridas, fazer-lhe massagens nos ombros e cortar suas unhas imundas dos pés e das mãos, enquanto Carlo cuidava do ferimento na cabeça que estava se fechando mais rápido do que ele esperava, mas agradava-lhe que Mary Donna, aquela jovem moça de cabelos negros e olhos esverdeados, estivesse cada vez mais saudável e vivaz, embora sua própria presença lhe fosse uma magnitude autossuficiente de vivacidade e alegria. Foi quando Carlo sentiu que havia algo mais em Mary Donna, uma área escura e impenetrável do seu interior, e Mary Donna, altiva e apressada, beijou-lhe com força, e Carlo, entregue aos seus feitiços, a amou.
Carlo a carregou, desabotoou seus botões ainda com a delicadeza que provinha dos seus gestos naturalmente, e provou da sua pele com beijos e carícias inconsequentes, de tal forma que Mary Donna sentiu sua alma entregar-se a ele quando seu corpo repleto de músculos e rigidez a abraçou, sem veste alguma para incomodar naquele momento que era o único da bruxa e do homem.
Os relampejos foram rápidos. Primeiro era Carlo indo embora, e depois Amaro tentando possuí-la, invejoso e frustrado. Sua esposa era fria, Mary Donna era quente. E por segundo, ou talvez por último, Carlo buscando sua flecha. Sim, bem no coração de Amaro. E talvez aqueles bebês, Auguste no mundo e Louvier no ventre, tenham sido adotados por ele, por Carlo. Enquanto Mary Donna, humilhada por humanos e carregando a semente de Carlo, correndo novamente através da Floresta da Mandrágora, com sangue seco nas mãos, o vestido rasgado nas mangas e próximo aos seios.
Ela se sentiu uma continuação de Catherine. A verdadeira projeção nova da bruxa velha, raquítica e murcha no leito de morte, balbuciando coisas sem sentido que deveriam ser profecias ou delírios de uma bruxa negregada.
Te isola do mundo, fecha-te para ele, aperta teu corselet com força para ficar sem respiração, ou coloca uma corda na maçaneta da porta, e a outra ponta no pescoço. Corre para a floresta, limpa as mãos com lama, inverno ou água fresca de uma fonte de água quase oculta.
Era tão difícil respirar quando se era a dona de destinos prematuros, dos pulmões que mal tiveram tempo de dizer olá para o mundo, para a glória de uma rosa machucada na cabeceira de uma cama ou talvez de uma menina que disse que poderia mudar o mundo se decidisse se empenhar nisso, mas morreu cedo demais para deixar alguma lágrima de glória e felicidade.
Desce da escada, empurra tuas sombras, aquelas mais sólidas, destrua-te junto com aquelas pinturas debochadas, a mulher na cama desmaiada, e a frustração de uma outra que se recusa a viver em sangue, luxúria e ódio.
Decidiu abrir os olhos.
O crepúsculo lutando contra as nuvens bordadas de cinza e branco ainda estava alí, junto com Maya em seu colo, imóvel. E se não estivesse tão suja de sangue, ela bem poderia estar dormindo. Um verdadeiro anjinho descansando naquele caos fantasmagórico e desesperador. Ela limpou seus mínimos cílios, seu tufinho de cabelo escuro, seu rostinho macio, inchado e frio, e seu corpinho roliço e encolhido no manto negro. Mordeu um dedo e gotejou o sangue fresco na grama, fazendo uma infinidade de flores variadas crescer alí como seres mutantes, e delas fez uma pequena coroa e uma guirlanda. A coroa na cabecinha sensível da menina Maya, e a guirlanda em cima da grama, do seu túmulo.
Tão afogada em pensamentos, relembrou da pontada no peito. E sem que percebesse, chorava. Estava na hora de ir embora dalí. Ela não queria ver Mary Chrétien ou Mary Alice fazendo o mesmo que ela fizera às duas. Era uma covarde. Ela encontraria alguma forma nova de repelir a maldição de Frigga. Se afastaria, mandaria alguém adotá-la. Ela já tinha até um nome. Era Friddah. Ela deveria odiar Friddah, repelir Friddah, ser cruel com Friddah para que Friddah não tivesse o mínimo resquício de amor por ela. Esse era o seu triunfo em enfrentar a maldição de Frigga, até que ela, Mary Donna, conseguisse enfim o feitiço que destruísse aquele anel.
Seu rosto se sujou de sangue quando ela enxugou as lágrimas. Isabelle teria tido a chance de chorar enquanto viveu? Ela desejou voltar no tempo para assistir Isabelle proclamar suas profecias e, tão nova e pequena, enfrentando deuses e demônios em busca de respostas. Ela amava Isabelle, embora não tivesse tido a chance de vê-la viva. Talvez a única CoeurCourt que sorria tanto, era tão espontânea, e via esperança em todas as coisas, até naquelas em que era impossível ver qualquer coisa que não fosse medo ou agruras, costumava dizer a velha Catherine.
Ela não tinha mais tempo para pensar nisso. E colocou o manto negro pesado com carinho na grama, afastando as mangas do vestido nos antebraços e começando a escavar, com as próprias mãos, o túmulo de Maya.


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1680

- Guia-me, Cernunnos, guia-me para a minha filha. Não me deixa sem a tua salvação.
Ammaleth correu sem pausas para os confins da Floresta da Mandrágora. Carlotta e Friddah já a aguardavam numa área mais espaçosa entre algumas estranhas árvores que pareciam formar um grande triângulo. A brisa gélida habitual daquele lugar estava mais forte, e as árvores, silenciosas como predadoras aguardando as vítimas surgirem despreocupadas para, cruelmente, mordê-las.
- Demoraste. - Carlotta disse, embora não parecesse uma preocupação tão grande para ela expressar qualquer sentimento.
- Me desculpem, eu estava convencendo Auguste a ficar. - Ammaleth abaixou a cabeça.
- Tudo bem. - disse Friddah - Fizeste a coisa certa. Agora venha, o tempo não está a nosso favor.
- Sim.
Ammaleth se aproximou e as três formaram um pequeno triângulo, cada uma, uma ponta. A primeira a cortar o pulso foi Carlotta, seguida de Friddah, e por último a irmã do meio.
Uma máscara de madeira escura surgiu no rosto de Carlotta, que já tinha as órbitas dos olhos totalmente brancas, e no rosto da irmã mais velha, uma máscara mais polida e maior. Apenas no rosto de Ammaleth não havia nenhuma, pois ela não teve tempo para aprender a obter uma estando presa durante sete anos por uma maldição da mãe. Mas aquilo no momento não tinha tal importância, pois Ammaleth também era forte e esforçada, e estava fazendo de tudo para doar uma energia tão poderosa quanto as das irmãs.
As árvores enfim se mexeram, assoviaram, fizeram uma chuva de folhas enquanto pássaros ardilosos piavam e propagavam uma canção de mil corvos ou um milhão de gaivotas. Os vestidos ganharam vida própria com tanta ventania enquanto cabelos escuros pareciam serpentes cruelmente venenosas e olhos completamente brancos recitavam junto com suas vozes graves e uníssonas uma única oração:
"Nobis, Huracán
Nobis, Magnus Cernunnos
Nobis, Krishna
Triumphorum fons sanguinis nostri
Non miserebor limina
Decernere fata
Nos eorum
Crudelissimus volumus dimensionum
Nunc et aeternum..."
Um veado gigante e reluzente surgiu pulando entre o ar e as árvores, descendo a toda velocidade com seus chifres colossais, enquanto uma pantera negra rugia no horizonte das montanhas e sua presença ficava cada vez mais forte. Huracán estava maior e mais poderoso desde a última vez que Carlotta o invocara, e o mesmo valia para Krishna, que tinha as patas ainda mais ameaçadoras e a bocarra sempre aberta e assustadora, ditando sua altivez. Era o poder de Grande Cernunnos fluindo sobre os corpos dos Deuses Terrenos, invocado pelas bruxas de um clã destinado a fazê-las nascer. Foi decisão de Isabelle que Friddah nascesse, foi decisão de Catherine que Ammaleth viesse, foi decisão de Rosanne que também respirasse Carlotta.
As três ergueram seus braços no centro do triângulo que elas mesmas formavam, e um feixe de luz rasgou o ar e foi aberto ainda mais por uma estranha névoa que se propagava com um fedor horrível de carne decomposta, e era agitada por mãos enormes e longas, ossudas, que mais pareciam gravetos vivos, seguidas de respirações ofegantes e guinchos vindos das bocas circulares que surgiam em tufos de pêlos em corpos escuros de onde brotavam braços e pernas finos e afiados. O primeiro saiu, guinchando horrivelmente e se afogando na própria saliva escura e ácida, e puxou o segundo daquela abertura com suas patas de aranha gigante enquanto as três bruxas se afastavam não espantadas ou medrosas, mas prontas para formar a linha de defesa contra aqueles guardiães das Dimensões, os Demônios do Sol.
Mais três saíram da abertura Dimensional que agora não poderia ser fechada enquanto as irmãs não entrassem nela. As pernas do primeiro foram decepadas num lampejo de segundo quando Carlotta, oculta na penumbra de uma árvore, invocava uma espada feita de unhas de Reis Demônios. A criatura se contorceu e guinchou de forma ainda mais insuportável até que a própria Carlotta subisse no seu corpo flutuando em comunhão com os elementos e afundasse a espada na boca central. Foi a vez de Ammaleth, rendida por uma pata com pêlos venenosos segurando-a pelo pescoço, clamar por um antílope gigante que abocanhou o Demônio e o levou para longe para mastigá-lo até a morte, deixando um rastro de destruição e árvores despencando por todos os cantos da floresta ao mesmo tempo em que Friddah pulava nas costas de Krishna, fazia uma canção semelhante à uma flauta com a língua e destroçar as patas longas e desajeitadas do Demônio do Sol que tentava de todas as formas encostar apenas um milímetro de um dos seus dentes amarelos, enormes e tortos, para conseguir capturá-la. A ponta de uma das suas infindáveis presas era o suficiente para obter o seu triunfo em comê-la.
O quarto Demônio puxou uma Ammaleth distraída e rasgou as costas do seu vestido, jogando ácido na sua pele desnuda e cuspindo uma espécie de teia pegajosa para prendê-la no chão.
- AMMALETH! - A irmã mais velha rugiu aos prantos. - KRISHNA, HURACÁN, SEGUREM AQUELE PORTAL, NÃO O DEIXEM SE FECHAR!
Friddah buscou um galho ainda cavalgando em Krishna, subiu numa árvore e sugou toda a sua vida, transformando a árvore num grande vegetal pontiagudo e morto e deixando-o cair em cima do monstro, enquanto seu corpo fazia da energia vital da árvore uma lança espectral, que a xamã usou imediatamente pulando sobre o tronco que prendia o Demônio e furando-lhe o núcleo com a lança fantasmagórica, enquanto este dava seus últimos guinchos de resistência.
Carlotta surgiu rasgando a barriga do último Demônio do Sol que restava, mas ela estava vindo de dentro dele, fora engolida e agora havia destroçado-o completamente por dentro antes que ela virasse uma massa disforme de sangue e ossos na barriga da criatura. A irmã mais nova estava escura e fétida com o sangue pustulento, situação que Huracán resolveu imediatamente lambendo a bruxa com sua língua prateada e purificando rapidamente o seu corpo.
- AAAAHHHH! AAAAAAAAAAAAHHH! - Ammaleth gritava horrívelmente, ainda presa na teia e sendo queimada pela saliva do Demônio agora morto com uma lança e preso por uma árvore assassinada.
- Ammaleth! - Carlotta se aproximou ao mesmo tempo que Friddah também saía de cima do monstro que matara para protegê-la, e olhou rapidamente para a abertura da Dimensão que Krishna segurava com as presas e Huracán voltava rapidamente para segurar também com seus chifres.
Carlotta cortou o mais rápido que pôde as teias pegajosas e viu a situação cabulosa das costas de Ammaleth, o ácido já estava quase alcançando a coluna vertebral e prestes a reduzir Ammaleth à nada. Friddah chegou correndo, tropeçando, se arrastando e correndo de novo em direção às irmãs, e pôs em prática todos os feitiços curandeiros de uma xamã que tinha conhecimento. Orou em silêncio por ajuda ao espírito de Amanara, sua mestra. E por um átimo de segundo lembrou-se de um trecho da última profecia que esta recitara: "As três pontas fechar-se-ão, para o mundo que as chama, e o suspenso firmamento, poderá despencar sobre o rebanho dos negregados.".
- Friddah, Friddah!
Friddah depositou toda a sua energia assim como Carlotta sobre o grotesco ferimento em carne viva, prestes a ficar pútrida, mas a saliva continuava queimando, nenhum feitiço a parava, nenhum efeito causava. Ammaleth estava morrendo.
- Ammaleth, não! - Friddah agora mais chorava do que fazia alguma coisa.
- Eu vou partir, Friddah, Carlotta, minha hora é agora e... e... AAAHHHH - Ammaleth se contorceu, o ácido agora estava cada vez mais dentro do seu corpo, pingando sobre os seus órgãos. - Vocês devem ir... Por mim... AAHHHHHH
Carlotta não suportou e virou o rosto para o lado, as lágrimas escorrendo como riachos dos olhos verdes e pequenos, puxados como se ela descendesse de uma família oriental. Mas ela não parou nem por um segundo de recitar os feitiços que conhecia e pô-los em prática sobre as costas da irmã, ou o que restou delas.
- Eu... - Ammaleth se virou e deitou-se sobre a própria queimadura, os gravetos na terra espetando sua carne exposta. Ela gritou ainda mais alto até conseguir voltar a falar. - Eu sempre fui a mais fraca. Passei sete anos presa por uma maldição e nunca soube como tirá-la. Como minha filha deve estar agora?
- AMMALETH, PARE! VOCÊ VIRÁ CONOSCO! - Friddah balbuciou, não conseguindo se concentrar em mais nada. Agora ela se parecia tanto com uma menininha perdida numa floresta rodeada por criaturas desejosas por seu sangue.
- EU ESTOU MORRENDO, FRIDDAH! - Ammaleth também gritou, e a consequência veio logo em seguida. - AAAAAHHHHH!
O ácido estava ainda mais fundo, e agora provavelmente já estivesse comendo alguns órgãos. Krishna, assistindo de longe do seu panorama, rasgou ainda mais a abertura da Dimensão e se dirigiu a Huracán.
- Dê uma decisão para elas. Eu posso segurar isto aqui sozinha.
- Está bem.
Huracán se aproximou das três bruxas lacrimosas com cautela e compaixão, e Carlotta foi a única que olhou para trás.
- Não se preocupe, Friddah, Krishna tem força suficiente para segurar aquela abertura sozinha. E ela me pediu para vir aqui.
- Não, eu sei o que Deuses querem nesse momento.
- Friddah, deixe-o falar. - Carlotta a olhou com o cenho franzido, o coração despedaçado. - Não sinta desconfiança com um Deus Terreno uma hora dessas... Eles é quem deveriam sentir desconfiança de nós.
- Está bem. - Friddah esperou os soluços passarem e os novos gritos de Ammaleth cessarem. - Fale.
- Existe uma forma de salvar Ammaleth, uma forma que vocês talvez já conheçam, mas que só pode ser executada com a ajuda de um Deus Terreno. Carlotta me deu muito sangue durante a invocação, então ainda tenho um considerável tempo por aqui, e creio que Krishna também.
- Eu irei, Huracán, irei por Ammaleth. - Carlotta falou.
- O quê? O que você está falando, Carlotta?
- Carlotta me conhece. Nós temos um vínculo. E ela já sabe o que quero dizer.
Agora Ammaleth gemia, pois não tinha mais garganta para gritar, tampouco forças. Sua pele estava num pálido assustador, e seus olhos, fundos como se tivessem pisado neles. Dois cristais verdes afogados em pele, nervos e sangue.
- Fale logo. - Friddah gaguejou.
- Alguma de vocês poderia dar todo o sangue do seu corpo para Ammaleth. O sangue de uma bruxa é tão mágico quanto sua alma e sua energia, o que chamamos de Caixa Pandorífera. Nós pegaríamos sua Caixa como pagamento, e enfeitiçaríamos todo o seu sangue para curar Ammaleth da morte.
- Não, não, não! - Ammaleth sussurrou, ouvindo tudo com atenção, os lábios secos e os olhos protuberantes. - Vocês não precisam fazer isso por mim. Entrem na Dimensão... Encontrem minha filha Charlotte... Se vinguem de nossa mãe.
- Ammaleth, precisamos de você. - Friddah voltou a chorar tanto quanto Carlotta. - Eu não conseguiria mais suportar nem mais um passo agora que te reencontrei. Não quero te perder de novo.
Ammaleth ergueu uma das mãos para segurar a de Friddah, e a outra para segurar a de Carlotta.
- Vão. Não quero que se sacrifiquem por mim. Se encontrarem Charlotte, se vencerem Mary Donna, eu estarei observando, vocês duas são o meu triunfo, a minha única vitória, pois eu consegui que nós nos uníssemos de novo, mesmo que por pouco tempo. - Ammaleth parou para tossir sangue, fazer uma expressão horrível, para voltar a falar. - E agora, vocês sabem o que deve ser feito. Vão, a invocação de Krishna não vai durar muito tempo, presumo...
Carlotta caiu aos prantos e abraçou delicadamente a irmã, dando-lhe um beijo na testa. Friddah se recusava a fazer mesmo, mas vendo que Ammaleth já havia decidido oficialmente e que jamais deixaria ela ou Carlotta abrir mão da própria vida por ela, também o fez.
- Amo vocês. - uma última lágrima escorreu pelo rosto fantasmagórico de Ammaleth. - Agora vão.
As duas pousaram as mãos de Ammaleth sobre o seu peito, a última centelha da irmã do meio estava quase se apagando, e passaram mais alguns segundos ao seu lado até que ela fechasse os olhos como lentas cortinas cobrindo janelas de uma mansão. Um sol ou um mar esmeraldino, uma dor.
- Digam que nunca desistirei de Charlotte, e digam também...
Ammaleth ofegou, arregalou os olhos para fechá-los novamente, e morreu. O ácido alcançou o coração. Estava tudo acabado.
- AAAAAAAAAAAAAH! - Carlotta gritou, se atirou ao chão, ajoelhada, cobrindo o rosto com as mãos para que ela não desmontasse em tristeza e desespero. Friddah a segurou por trás antes que ela perdesse o controle e a abraçou, para que isso não acontecesse com ela também. - Ammaleth...
Nenhuma das duas conseguia respirar direito com tantos soluços e dores no peito. Mas estava na hora de ir embora, estava na hora de completar a missão que Ammaleth deixara para elas. Era hora de partir para um outro lugar, talvez para um outro mundo, e enfrentar o que deveria ser confrontado.
Uma ajudou a outra a se erguer, e andaram de mãos dadas em direção à abertura da Dimensão, segura pelas presas de Krishna. Huracán já estava alí perto também.
- Venha nas minhas costas, Carlotta. Ainda estás debilitada, e essa abertura é horrenda demais até para uma bruxa.
Carlotta obedeceu, pulou em cima do veado reluzente, olhou para trás, Friddah assentiu para ela, e ela entrou.
- Vá, Friddah, irei atrás de você. - Krishna lhe disse, e Friddah também entrou, meio desajeitada, meio receosa, dentro da luz.
Só restou um último rugido, uma pantera negra desaparecendo no nada, e um corpo pálido e sulfurizado na floresta.
O feixe de luz se fechou e por alguns minutos não havia mais nada a não ser a quietude estranha e habitual da Floresta da Mandrágora. Mas as árvores voltaram a se agitar e os pássaros tornaram a cantar, embora, aparentemente, não tivesse nenhuma criatura viva por alí.
O antílope gigante que Ammaleth invocara retornou para o ponto de partida, cheirou o ar e então desapareceu. Uma lufada de ar estava se consolidando cada vez mais e deixando-o quente e lentamente sólido, como uma forma, uma nova criatura tentando ultrapassar as linhas, as Dimensões, e toda a ordem e equilíbrio que existia naquele ambiente.
Um outro antílope surgiu, mas esse era ainda maior, mais musculoso e mais reluzente na escuridão, como se seu corpo fosse coberto de mil diamantes sob o sol. Ele tinha chifres maiores que os de Huracán, presas para fora da boca mais afiadas que as de Krishna, e um silêncio mais aterrador que o de Hiperion. Seus pêlos oscilavam em cores como se ele próprio fosse um caleidoscópio ambulante de luzes, cores e oscilações. E acima dos seus vários chifres, uma pequena estrela flutuava e girava lentamente, em constante movimento. O antílope se aproximou do corpo de Ammaleth, tocou seu focinho no peito da bruxa, e seus cílios tremeram, sua boca e pele voltaram à tonalidade natural, e a queimadura nas costas desapareceu.
- Bem vinda de volta, Ammaleth.
"Cernunnos?"








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Witch Fire

Fim da Primeira Parte: "Ammaleth"






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A Black Cherry novel

Artes: primeira e última imagens de Nicole Absher, com edição de Black Cherry

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