Solitude, darkness and love


"I don't wanna admit, but we're not gonna fit"

terça-feira, 28 de junho de 2011

Matéria Especial: Vespertine, uma análise.

Björk está retornando com mais um (muito provavelmente) fabuloso álbum, ou projeto, chamado Biophilia. Depois de passear com instrumentos de sopro e da “terra” - como ela disse - com Volta, e explorar o máximo da voz humana com Medúlla, é a vez de um projeto sobre natureza e tecnologia em uma mistura que só Björk é capaz de fazer. Mas estou aqui para falar de um outro álbum.

Björk é daquelas artistas que serão lembradas por décadas e décadas após a fim da sua vida. Pra ser mais exato, num mundo onde o mainstream usa a palavra “artista” tão banalmente e sem profundidade alguma, Björk é sim uma artista de verdade. Ela é capaz de causar desde a mais obsessiva admiração ao mais puro asco por pessoas desacostumadas a algo assim. E só após décadas e décadas, ela será enfim compreendida e terá o posto de deusa que sempre foi. Björk é autêntica, pura em sua música e desterritorializada de tudo que já se viu em sua imagem.
Excêntrica, despida de padrões sociais, surrealista, expressionista, conceitual, vanguarda, primitiva, gloriosa, magnânima, essencial, louca. Ela é o cisne em meio a tantos milhões de corvos da música.Visionária – já disseram vários – e talvez ninguém tenha feito tanto de tantas formas diferentes como ela.
Vespertine, lançado em 2001 e com uma turnê que durou até o final de 2002, antes de Björk comemorar seus dez anos de carreira, é, para mim, o seu maior e melhor álbum já feito, e o maior e melhor álbum já feito que eu tive o prazer de escutar. Doze faixas de amor, imaginação e sentimentos nunca pronunciados, apenas guardados em um mundo onírico e cinzento.
1 – Hidden Place
Vespertine é iniciado como um ritual, a porta de entrada para o seu universo secreto, um lugar de horizonte vermelho e azul (como mostrado no vídeo). Em Hidden Place, há uma ode infindável de metáforas sobre onde e como encontrar esse universo, esse esconderijo, passeando pelo coral das mulheres da Groelândia, tal uma canção de ninar faz uma criança adormecer nas suas imaginações. Como ondas, os beats e microbeats surgem, se engrandecem, e depois desaparecem. Talvez tenham ido embora, ou nunca tenham sequer existido.
2 – Cocoon
Em Cocoon, Björk deixa claro o que era apenas um detalhe na primeira canção: o sexo. Usando metonímias, referências, comparações, e, claro, metáforas, a artista narra o sentimento de acordar com a pessoa amada ao lado, e o quanto ela se deixou hipnotizar pelo seu encanto. De manhã, talvez. De madrugada, com certeza. Ela se sente especial ao saber que não foi abandonada, então esconde toda a sua dor num casulo, no cálido desejo de transformá-la em uma borboleta de alegria exaltada e violenta.
3 – It’s Not Up To You
As coisas começam a se movimentar. A personagem, ou o cisne, ou ela mesma, acorda com vários pensamentos atormentando sua cabeça. Por que ele acredita que eu tenha tanta necessidade dele? “Eu acordo e o dia parece estar quebrado”, ela canta. Sentimentos como o estresse, o peso de um cotidiano conturbado e o começo de uma tristeza são mostrados de maneira suave na música. A harpa composta por Björk e tocada pela graciosa Zeena Parkins começa a entrar em ação. Em Vespertine, todas as músicas são cruciais (e isso não deve ser válido apenas para este álbum). “Isso não depende de você, bem, realmente nunca dependeu”, ela continua, com sua voz poderosa numa leve agonia, cantando fortemente sobre a possessão e a verdade de tal relacionamento. “Lá há muito apego ao topo, lá há muita pressão”... estaria ele sendo fútil, e ela não conseguindo mais suportar as adversidades?
4 – Undo
Os problemas pioram. O cisne percebe as suas feridas, e nada já está tão bem quanto foi antes. Culpa, transparência, a dor que deveria se transformar numa borboleta rasga o seu casulo antes do tempo e dissemina escuridão. “E se sangrares, desfaça-se, e se chorares, desfaça-se”. Ela pede para ele partir? Para ele ser forte? Se aquilo for a melhor decisão, ele irá mesmo? E ele? Quais decisões ele poderia tomar? Não deixando de lado que toda música de Björk é um livro extenso de vários significados, talvez ela nem esteja falando de um relacionamento, ou dos problemas que o envolvem. Björk é a rainha da subjetividade, cabe aos ouvintes compreenderem da forma que lhes convém.
5 – Pagan Poetry
Paganismo: a crença em deuses que cometem tantos erros quanto os seres humanos; sacrifícios de sangue, rituais, a beleza da alma, a libertação sexual, o primitivismo, o contato mais puro com a natureza, o que a forma. E a poesia, não tão diferente do paganismo, tem a capacidade de transformar um único olhar num verdadeiro trovão furioso e destruidor. Pagan Poetry é o amor masoquista, o amor submisso, o amor inglorioso, o amor desesperado, o amor frio, o amor fervente, o amor rasgado, necessitado, cruel, infindável, decadente, submerso, altivo, polipolar, agressivo, frágil, palpável, onírico e inigualável. Uma canção gélida e ao mesmo tempo ardente, Björk explicita a dor na sua voz, no vídeo em que um vestido de pérolas (obra prima de Alexander McQueen) penetra na sua pele e as imagens são transformadas em figuras abstratas, aguçando o subconsciente do telespectador, fazendo-o perceber que a dor, o amor, o sexo, a paixão e os sonhos têm mais coisas em comum do que se pode imaginar. Pagan Poetry é, se não o maior, mas um dos maiores ápices de Vespertine. Uma ventania de arte que destrói o coração de qualquer um que ouça. Björk, sempre se superando.
6 – Frosti
Orvalho congelado, geada, neve. O que se imagina com um instrumental feito apenas com uma caixa de música? Se Björk já teve o seu momento de se apresentar com Hidden Place, a sua hora de acordar pela madrugada em Cocoon, voltar ao cotidiano com It’s Not Up To You, tentar resolver uma gama de problemas com Undo, e gritar o seu amor para o mundo com Pagan Poetry, o que se espera mais de um álbum desses? Ele poderia acabar aqui mesmo, com Pagan Poetry, e com certeza transportaria muita coisa. Mas Vespertine entra numa “segunda parte” com Frosti. A hora em que ela corre para fora de sua casa e sente a neve nos pés descalços, o frio cortante a açoitar-lhe a pele feminina e os cabelos lustrosos. O momento em que ela foge completamente do mundo real e sonha com um vale de montanhas, num horizonte cinza e morno, e lá, apenas lá, ela pudesse finalmente se sentir aliviada, ao descobrir o maior presente que a natureza poderia lhe dar.
7 – Aurora
A alvorada, a tela do céu pintada com tinta aquarela rósea, azul clara, branca, laranja e suavemente púrpura. O suspiro dos poetas que tanto a usam como musa inspiradora, como a vista mais bela para se esquecer de tudo, até de si mesmo. O coral, presente desde Hidden Place continua sua jornada ao lado da voz única de Björk, a harpa está mais forte, os microbeats se dispersam e depois retornam, como uma nevasca. Aurora, escrita tão bem para ser analisada em dois contextos, uma para narrar a sua caminhada durante o amanhecer, sua homenagem a Aurora, e a outra, com conotações mais sexuais. “O caminho derrete, eu desejaria derreter dentro de você”, ela confessa. O cheiro dos orvalhos, o zumbido dos insetos, a infância. Björk disse numa entrevista que Aurora narra um pequeno acontecimento de quando ela era criança, enquanto corria pelas montanhas da Islândia no inverno, ela caiu e bateu os joelhos, então pôs neve na boca para diminuir a dor. Ora... Quem conseguiria colocar tantos significados bonitos em quatro minutos e trinta e nove segundos de música?
8 – An Echo, A Stain
Palavras interrompidas, sonhos misteriosos e evanescentes, um único e poderoso erro. Inspirada na peça de Sarah Kane, “Crave”, An Echo, A Stain é o sussurro misterioso de Vespertine. Uma canção soturna, como se fosse o ponto mais sutil e capcioso do álbum, efêmera como a borboleta que se transformou em escuridão, Björk canta em pouquíssimas palavras um ato, uma reação, uma falta de reação, uma ânsia, um medo, e uma queda livre. No mundo dos sonhos ou no mundo real, qual é o mundo mais forte em Vespertine?
9 – Sun In My Mouth
“Eu pegarei sol com a minha boca, e saltarei viva no maduro ar”. Um poema belíssimo de E. E. Cummings cantado com toda a sensibilidade de Björk. Caixas de músicas, violinos em lágrimas sucintas, lalalás. Sun In My Mouth é o momento mais harmonioso de Vespertine, carregado de melancolia, uma dose doce de sexo e um mundo cintilante do coração. Björk se vai num campo de trigo dourado do sol, sem cinza, e nada mais.
10 – Heirloom
Um lugar especial, que leva a sentimentos especiais, que leva a lembranças especiais. Heirloom pode facilmente ser compreendida como um sonho, ou um pesadelo, ou nada. Os beats estão mais agitados, há um sentimento novo nesse lugar especial, nesse esconderijo. Mas Björk não pára por aqui.
11 – Harm Of Will
Harm of Will é quase como um prelúdio. Um pequeno réquiem disfarçado, uma máscara em Vespertine. Nesta canção, se constroem imagens distantes, pedidos desesperados, desejos amordaçados. Os violinos e violoncelos moldam uma estrada longa num crepúsculo de vozes adocicadas e frágeis, tão frágeis que, se músicas fossem palpáveis, elas poderiam se despedaçar ao primeiro toque.
12 – Unison
E a grande obra se fecha com chave de diamantes. As mulheres do Inuit Choir arrepiam, a harpa está mais forte, mais presente, num duelo incansável com os outros instrumentos, e os microbeats. Björk inicia a música apenas com sua voz, num tom calmo, gentil, harmônico, quase inalcançável, com uma frase simples mas de significado profundo, em Unison, sim. Unison, toda a representação de Vespertine e seus objetivos se encontram numa orquestra perfeita que canta o amor e o define da melhor forma: uníssono. Há palavra mais bela para isso? Talvez sim. Mas Unison é o cisne confessando seus problemas, e mesmo assim abdicando de muita coisa para que o seu maior sentimento continue intacto. O cisne abre as suas asas enquanto a neve cai, canta para a aurora que ali o acompanha, espera o crepúsculo se iniciar e com ele a noite estender o seu manto escuro e brilhante sobre o céu. Há tantas dimensões em Vespertine, mais cores que o cinza que o representa, há tantos sentimentos que é até uma ofensa falar que é um álbum que só narra sobre o amor e o sexo. E a harpa, representando o canto final do cisne, nos últimos quarenta segundos da música, dando adeus ao mundo onírico e aconchegante e voltando ao mundo real, pesado e cruel. É como dar adeus a um melhor amigo, é como fechar os olhos e acordar de volta ao frio que não é mais acalentador. Nada de montanhas incrustadas de auroras caleidoscópicas, nada de trilhas entupidas de neve, nada de odes ao amor e ao calor frenético do sexo. São coisas tão preciosas, tão perfeitas em suas próprias essências, que apenas uma música como essa, escondida num mundo secreto, é capaz de expressar.







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Andrew Oliveira & Black Cherry

sábado, 25 de junho de 2011

The Birds - Capítulo 4

As mãos voltaram ao chão de concreto e desapareceram sem deixar rastros. Rhett desabou no chão, ferido e desmaiado, Angelina sugou todo o ar assim que a mão na sua garganta tomou antes de desaparecer por completo. Scarlett olhou de um lado para o outro, sem saber quem deveria ajudar primeiro. Mas ela foi a primeira a ter a razão retornada ao cérebro.
- Te... Temos que encontrar um lugar logo... – ela falou, sem se dirigir a alguém específico.
João se levantou mais adiante, carregando uma Madalena desfalecida, e Khaydan também fez o mesmo com Rhett.
- E... Eu já tinha visto uma pequena porta, acho q-que é uma toca, antes di-disso tu-tu-tudo acontecer, e... – Angelina pôs a mão sobre os seios, seu coração estava perigoso, e então ela ofegou durante algum tempo, mas não era asma, era o auge do medo.
- Nos mostre, Angelina. – chegou João, com o rosto tão soturno que parecia ser um pedaço das trevas flutuante.
Angelina caminhou com as pernas bambas, com Scarlett e Khayran não era diferente. Ali, apenas João parecia ter a força recuperada, ou pelo menos parte dela. A pequena loira dobrou por um outro corredor aparentemente não tão assustador, e então empurrou o que parecia ser uma parede normal, mas logo se revelou ter uma portinhola que levava ao novo lar.
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A noite em Nova York estava deslumbrante, como quase sempre. Madalena desceu do elevador daquele grande edifício e enfim surgiu para o homem robusto e carrancudo que contava os minutos em que ela se atrasou. As luminárias cintilavam na sua pele negra, no seu vestido preto, curto e bordado, e nos seus olhos ambiciosos.
- Quanto vai ser? – ela perguntou, tirando um celular touch-screen da bolsinha preta que segurava com as longas e glamourosas unhas vermelhas, tão fortes quanto o seu batom.
- Quinhentos é o suficiente. – disse o homem, uma voz grossa e asquerosa.
- Ela não vale só isso. – ela agitou um pouco o salto direito, ansiosa.
- Me prove.
Madalena exibiu fotos sensuais e explícitas de uma garota no seu celular.
- E então, vai querer?
- Claro que quero, adoro carne asiática. – ele riu, e pegou um charuto cubano do bolso, acendendo-o com um isqueiro de ouro. – Quer um?
- Não obrigada. Parei de fumar.
- Traga-a daqui há vinte minutos. Se ela não vale quinhentos, ela vale então oitocentos.
- Ok.
Madalena apertou sua mão e se retirou do edifício quatro estrelas, entrou num carro esporte preto, grande o suficiente para mais carne, e partiu rumo a um beco. Um verdadeiro contraste onde ela estava agora e onde estava antes. De uma linda cobertura para um lugar pequeno, mofado, mal-iluminado, com cheiro de menininhas.
João abriu a porta de um quarto, estava suado e tinha um arranhão no pescoço. Atrás dele, nos cantos e na escuridão, garotas e garotos se encolhiam e abraçavam as pernas, desejando sair daquele pesadelo. Madalena o avaliou e depois avaliou sua mercadoria.
- O que aconteceu?
- Nada demais, Madalena. – João bufou.
- O QUE ACONTECEU? QUEM FEZ ISSO COM ELE? – ela se direcionou às adolescentes com olhar furioso.
- MADALENA! Deixe isso pra lá! De qualquer forma, elas não vão entender.
Madalena respirou fundo, e então a calma no seu rosto voltou.
- Jasmine queria fugir. Foi só isso. – ele explicou.
- Jasmine... Como ela está?
- Não se preocupe, está intacta.
- Ótimo, consegui um bom preço por ela. Traga-a pra mim no outro quarto.
Madalena desapareceu. João se voltou para os olhares amedrontados atrás dele e então se direcionou a uma linda garota de olhos puxados, olhos secos de tanto chorar, pouco mais de quinze anos, corpo perfeito e até bem desenvolvido. Ela sussurrava baixinho alguma coisa misteriosa, mas provavelmente estava orando ou chamando pela mãe.A pele branca como leite do seu braço se avermelhou quando João a puxou, tirou-a daquele quarto, e a postou num outro, bem mais iluminado, quase um pequeno estúdio, com um espelho bordado de luzes e uma mesa cheia de maquiagem, ali no canto, cabides exibindo vestidos, saias, camisas e calças.
Madalena já estava ali, sentada, esperando. Jasmine sentou-se na sua frente, e então pegou um lenço e tirou todo o suor do rosto, mas então novas lágrimas surgiram querendo sair dos seus olhos.
- Por que vocês fazem isso com a gente? – Jasmine perguntou, a voz rouca e pueril.
- Nesse mundo, Jasmine, existem dois tipos de pessoas. – Madalena disse, pegando um rímel e passando nos longos cílios de Jasmine. – As que sofrem e as que fazem sofrer. As que sofrem sempre terão que lutar contra as adversidades, e as que fazem sofrer um dia terão seu devido castigo.
- Por que você escolheu fazer sofrer?
- Isso não faz muita diferença agora. Já estamos no inferno, de qualquer forma. Deus é apenas a catarse disso tudo.
- Eu... Eu quero ir pra casa. Eu não aguento mais... – o delineador deixou seus olhos puxados poderosos.
- Isso já não me interessa.
Jasmine engoliu um soluço, não queria fazer Madalena borrar sua maquiagem, que já estava no fim.
- Vá se vestir. Pegue o vestido vermelho da Donna Karan, ele deixa suas curvas melhores do que já são.
- Si... Sim.
Minutos depois, Jasmine e Madalena já estavam no carro preto com o homem anônimo dirigindo, Jasmine pensou na sua mãe e teve a fértil imaginação de que esta ouviria suas preces e de alguma forma, de alguma maneira, ela a ajudaria a fugir dali. As duas entraram no mesmo edifício luxuoso onde Madalena se encontrava dezenove minutos atrás, e lá estavam o homem quarentão e carrancudo, fumando seu charuto e esperando a deliciosa mercadoria.
- Diga que é virgem, se faça de virgem na hora. E nem pense em estragar tudo. – Madalena sussurrou na orelha esquerda de Jasmine e então a empurrou em direção ao homem mórbido.
E Jasmine foi, andando lentamente e fazendo o que podia para parecer sensual, até que chegou perto do homem e deu um sorriso maravilhoso e encantador para ele. O amplo salão era mais um pesadelo do que um sonho de uma garota rica e esnobe. Mas Jasmine nunca foi rica, tampouco esnobe, e tudo ficou pior do que já era.
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Madalena despertou, e o odor de corpo humano tão logo invadiu seu nariz com ferocidade. Estava no colo de João, sua costa ardia como o inferno, mas mesmo assim ela levantou.
- Madalena!
- Conseguiram obter comida?
- Não... – disse Scarlett, surgindo de um canto escuro da nova toca. – Você foi...
- Fui...?
- Possuída. – disse João, enfim, fitando com atenção a mulher para ver se esta não desmaiava.
Madalena arregalou os olhos quase deixando-os para fora das órbitas. E então tremeu de frio e horror. O que estava acontecendo? Ela estaria pagando por tudo o que ela fez? Se sim, então esse lugar era o verdadeiro inferno. Infinito, claustrofóbico, sem explicação, e ela provavelmente agora era um demônio no seu devido lugar.



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Black Cherry

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Amizade


Isso deve ser meio clichê, mas as vezes se encaixa perfeitamente quando você se encontra numa consequência catastrófica. Por exemplo, quando você faz o possível e o impossível para ser um bom amigo, e não é recompensando como desejava, ou quando todos erram em alguma situação e apontam apenas para você como causador de tudo. Isso é se fazer de vítima? Que nada, é algo que fica preso na garganta e você acaba engolindo porque no final de tudo é apenas você quem admite os próprios erros. E você só tem a si mesmo para reclamar e desabafar. Quem vai se dar ao trabalho de entender ou remoer o assunto que se enterrou no passado de todos menos no de você mesmo?
É muito chato também quando até seus melhores amigos desacreditam nas suas capacidades. Amigos não deveriam lhe chamar a atenção por erros que você não enxerga? E melhores amigos não deveriam te amar sem precisar te julgar pelo que você é e pelo que você faz? A máquina do amor nem sempre funciona bem na sua cabeça. Não é?
Não que não seja empreendedor um melhor amigo fazer o papel de amigo, e vice-versa. Nada disso.
Há uma hora na sua vida que as coisas vão acontecendo por tanto tempo e você acaba sendo levado por essa onda assustadora de problemas que só vão aumentando em vez de se resolverem e diminuir sua quantidade de lágrimas. E você acaba por descobrir que isso sempre vai acontecer, e de alguma forma, em algum momento, você vai aprendendo a lidar com essas coisas até a sua alma esgotar e seu corpo continuar ali, como uma concha vazia trabalhando dia e noite na construção do abrigo contra o mundo que você só pode admirar, nunca entrar. Você não é bem vindo no próprio abrigo que constrói.
Isso não é de te deixar lá no fundo do maldito inferno de mundo em que você vive?
E uma coisa pior acontece. Isso afeta os seus sonhos.
Por mais que seus melhores amigos tenham toda a razão do mundo, e você seja a criatura mais errada que já pisou na face da terra, tudo acaba tomando um rumo mais errado. Porque você não fala, você permanece calado acreditando que seus melhores amigos vão entender o seu silêncio, os seus piores erros, o seu desespero que fica preso nas suas córneas. As vezes acontece, não é? Ou quase sempre. Nem sempre as pessoas, e até seus melhores amigos, vão compreender os seus atos. E há coisas que você acha que seria corajoso com alguém ao seu lado o tempo inteiro, mas ninguém estará o tempo inteiro com você, de tal forma que pode ser tarde demais pra continuar.
É só você mesmo que se conhece. Ou nem isso.
E então você questiona o seu amor pelas pessoas. Você ama elas porque elas te aceitaram do jeito que você. Algumas não percebem, e nem fazem questão de perceber. É uma espécie de amor masoquista. Mas não, pra quem acredita que o amor é o próprio masoquismo, isso não é verdade, isso só é uma frase de lugar comum para pessoas frágeis que tem paixões frágeis e confundem com amor. Isso sim é ser patético.
Mas então há amigos e melhores amigos que simplesmente são “grandes” demais pra enxergarem isso. Pra terem o mínimo de humildade é bem difícil. É, eles são tão podres quanto você, ou até mais, e não se enxergam. Mas e daí? Você os ama, você sente necessidade deles. E tudo o mais que se foda, que vá pro inferno.
Nunca vai existir uma amizade tão perfeita que você sempre vá se sentir bem. Então, preze as amizades que você tem. Perder uma amizade é pior do que perder um dito “amor”. E mesmo que você nunca fale nada, daqui há algum tempo seus amigos e melhores amigos hão de enxergar, e isso com certeza será recompensador.



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Andrew Oliveira

quinta-feira, 16 de junho de 2011

The Birds - Capítulo 3

- Angelina estava muito magra quando chegou aqui. - disse Madalena, enquanto José segurava sua mão direita. - Você quer mesmo saber o que aconteceu com a grande quantidade de pessoas que estava com a gente?
Scarlett balançou a cabeça. Rhett dormia docemente no colo de Angelina.
- A minha história é quase parecida com a de Angelina. Com o fato de que eu também acordei no meio de pessoas com cabeças de corvos. Mas elas estavam vivas, e estavam esperando a hora de eu despertar para me atacar. Para minha sorte, a cela já estava aberta, e eu claro, corrí como uma louca para fora. Corri e corri, foi tudo o que fiz durante todo aquele dia, subi e desci escadas, passeei por corredores quilométricos, e não encontrei nada que pudesse explicar o fato de eu ter chegado aqui. Mas eu só estava em busca de uma pessoa, o meu marido José. - ela sorriu para o homem ao seu lado.
“Aquele ‘dia’ parecia que não acabava, era como se fossem vinte e quatro horas de sol, eu podia sentir o calor lá de fora, ou sei lá. A questão é que eu já não conseguia discernir o que eu realmente queria. Até que cheguei numa sala triangular, que continha três portas, duas só havia escuridão, uma continha o meu marido.
Quando entrei, o dia havia acabado e as luzes se apagado. Mas a luz naquele salão se acendeu, e esverdeou tudo ao seu redor, era uma luz verde que fedia a carne podre. Eu olhei mais adiante e vi um grande aquário, também iluminado com aquela luz, dentro dele havia uma quantidade exorbitante de... casulos. Casulos brancos e gosmentos, pulsando como se fossem corações anêmicos no fundo do mar. Eu fiquei de certa forma encantada com aquilo, até numa situação como essa...
Olhei para cima e lá estava José, encolhido e preso numa espécie de teia. Ele caiu e bateu a cabeça com força no chão, mas nada tão grave assim. Eu o chamei durante um bom tempo até que ele acordou, e então os casulos no aquário passaram a se agitar, se contorcer, estavam de alguma forma furiosos. O alimento deles não estava mais lá.
José e eu saímos, e ele me explicou que já estava lá a quatro dias, junto com outros quatro homens. Cada dia era um homem, e ele conseguiu se livrar da teia antes de ter o mesmo e desconhecido destino. Bem, as pessoas que nós encontrávamos obviamente nós acolhíamos, foi o mesmo com Khaydan, Khayran e Angelina, os únicos que restaram ao nosso lado.
- Mas o que aconteceu para tanta genter desaparecer de forma tão rápida? - questionou Scarlett.
- Foi num dia em que procurávamos mais mantimento por aí. O dia parecia que estava passando devagar lá fora, então aproveitamos e todos saíram conosco para ajudar. Nenhum relógio avisou que a noite chegaria, mas ela chegou. Uma surpresa que nenhum ser humano são desejaria.
Quando clareou de novo, só tinha sangue, José, Khaydan, Khayran, Angelina e eu. O único resto daquela escuridão foi uma barata preta e cheia de olhos, do tamanho de um notebook, nas costas de Khaydan. Quando ela percebeu que havia luz, ela encolheu os ferrões e algo que parecia ser um tubo para depositar seus ovos, voou e desapareceu como se nunca existisse.
Desde então, só sobrou nós nesses seis meses que se passaram.”
Scarlett engoliu em seco. Khayran adormeceu no peitoral de Khaydan, Angelina também estava sonolenta e ainda afagava os cabelos de Rhett, e Madalena e João apenas encararam Scarlett.
- Vamos descansar. Não sabemos como será o dia amanhã, infelizmente, esse lugar é que traça o nosso destino. – sussurrou Madalena, sem precisar falar com um tom normal, já que estava tão silencioso que se ouvia até a circulação de sangue nas suas artérias.
Todos arranjaram um jeito de descansar e se acomodar na Toca. Khaydan abraçou Khayran e dormiu sentindo-se seguro com seu calor, o mesmo houve com Angelina e Rhett, Madalena e João. Scarlett ficou algum tempo fitando cada um, cada alma confusa que procurava um meio de calmaria naquela tortura incoerente. Por que eles estavam ali? O que aconteceu para eles estarem ali? Aliás, como estava o mundo lá fora.
Perdida em seus devaneios, ela adormeceu profundamente durante um certo tempo. Até uma sirene soar e a Toca ganhar uma luminosidade avermelhada.
- Scarlett! Scarlett! Acorde! Temos que sair daqui! – Gritava Madalena ao seu ouvido, sacudindo-a loucamente.
Scarlett acordou com a cabeça voltando a latejar, e todos a fitavam com pressa.
- Mas deve começar a ficar escuro lá fora!
- Eu sei! Mas já não é mais seguro ficar aqui! – As olheiras de Madalena se acentuaram na luz escarlate.
- Por quê?
- Quando fica vermelho, é sinal de perigo... Vamos logo!
João já abria a portinhola da Toca, enquanto os olhos de Rhett encontravam segurança nos de Angelina, e Khaydan e Khayran seguravam suas mãos. Scarlett levantou num pulo e, atrás de Madalena e na frente de todos os outros, saiu do seu pouco lugar de descanso.
O salão estava com um odor estranho, como se algo muito ruim estivesse se aproximando, e duas das grandes luzes holofotais já estavam piscando numa gargalhada infindável. João estava correndo na frente, guiando seus companheiros naquele inferno, e na verdade sem saber muito para onde ir, apenas deixando-se levar pelo seu instinto de sobrevivência como fizera tantas vezes durante o rápido ano em que residia na prisão nonsense.
Mais um corredor, e a coisa piorava, a escuridão estava chegando mais rápido, e todos se sentiam desnorteados como baratas. Até que, sem avisar, tudo se apagou de uma vez, e as damas prisioneiras gritaram num coral de horror.
- Não... Não se afastem! – Esbravejava João no escuro do longo corredor. – Tentem se encontrar e ficar mais próximos!
Scarlett encontrou os braços dos gêmeos, e os gêmeos os de Angelina e o trêmulo Rhett. Madalena se perdeu dos outros.
- MADALENA! MADALENA! – Chamou João, também sem se encontrar com o amontoado do seu grupo perto de uma cela. Mas Madalena não respondeu.
Por um pequeno momento tudo se silenciou, e Angelina soltou um suspiro, tanto preocupada quanto com medo de fazer mais barulho do que João estava fazendo no seu provável futuro luto.
E então ela sentiu.
Uma mão tão fria que chegava a queimar segurou suas pernas, mas ela não gritou tampouco se mexeu, ela apenas segurava a mão de Rhett e orou para que aquela mão parasse de tocá-la com curiosidade, e para que Rhett não se desesperasse.. Depois, outras mãos seguraram as pernas dos gêmeos, e eles, percebendo que o mesmo acontecia com Angelina, ficaram calados e encostaram suas testas evitando ao máximo respirar forte. Scarlett levou um pequeno susto quando aconteceu com ela, o que fez as novas mãos segurarem com mais força suas canelas na calça jeans.
- Não... se mexa... vai ficar tudo bem... – sussurrou Angelina para Rhett, que não parava de tremer.
Mais mãos congelantes e fétidas surgiram para agarrar Rhett, mas seu desespero era maior, e as mãos gostavam do desespero, e então começaram a subir no seu corpo mais e mais. Rhett gritou, e as mãos se agitaram, retalhando e arranhando quem quer que estivesse ali. O grupo se dispersou e as luzes se acenderam violentando os olhos dos condenados.
As pernas de Rhett eram as que mais sangravam, e as de Scarlett estavam cheias de hematomas e marcas, mas Rhett estava ainda pior. Mãos e braços, longos, azuis e podres seguravam o adolescente como que querendo puxá-lo para baixo até esmagá-lo, Angelina não conteve os gritos e fez de tudo para salvar Rhett, mas uma mão grossa e áspera agarrou seu pescoço e a segurou levantando-a e deixando-a sufocada. Algumas mãos já estavam desaparecendo, mas aquilo não era nem o começo.
João, mais adiante, lutava contra uma Madalena enfurecida que vomitava sangue na sua face, seus dentes estavam crescendo como presas de leão e suas orelhas estavam pontiagudas, seus cabelos flutuavam como se tivessem vida própria. João a abraçou e começou a falar sem parar que a amava. Só Scarlett presenciou a cena.
Madalena gritou enquanto era abraçada pelo amor de João, e uma sombra enorme e disforme saiu das suas costas fazendo uma ferida horrenda atrás de si. Ela desmaiou, e pareceu que nunca havia se transformado num monstro feroz até a dez segundos atrás. E então, a hora de despertar chegou ao fim.





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Black Cherry

sábado, 11 de junho de 2011

The Birds - Capítulo 2

- Eu não consigo entender. - disse Scarlett, enquanto corria ao lado de Madalena, atrás de José, Khaydan, Khayran e na frente de Rhett e Angelina - Como o dia pode passar tão rápido assim?

- Há coisas que simplesmente acontecem dentro desse lugar... - arfou Madalena, a cada minuto olhando para trás.

- Temos que ir mais rápido, as luzes já começaram a se apagar. - anunciou a voz máscula de João, e era uma total verdade. - A toca é na outra sessão.

- Outra sessão? - questionou Rhett, quase gritando de desespero. - Quantas sessões tem nesse lugar?

- Não sabemos, temos a impressão de que esse lugar não acaba. - respondeu Angelina, ao seu lado.

José deu um encontrão na porta no final daquele extenso corredor, e quase todos se espatifaram uns com os outros também com a parada súbita. Scarlett olhou para trás, e a escuridão já estava chegando mais perto, ela não estava entendendo, mas seu medo era a maior razão naquele momento. Uma a uma, as luzes estavam se apagando, como se tivesse uma criatura invisível dando passos em cima delas, se aproximando com tranquilidade para perto do grupo. Rhett suou frio ao ouvir um farfalhar de asas que ele conheceu durante cinco dias sem comer nem tomar banho. Um grito mastigou a sua garganta, mas ele resolveu permanecer calado, da última vez que gritou, o chão da cela tremeu e ele pôde distinguir na escuridão uma alegoria de patas nojentas dançando nos ferros das grades, enquanto guinchos agudos insuportáveis se propagavam no ar. Sua espinha dorsal se contorcia de nervosismo só de lembrar.

- Es... Está chegando! - ele balbuciou.

- Tenha calma, Rhett. - Angelina tentou tranquilizá-lo.

- Se afastem. - José fez um pedido difícil para eles cumprirem.

O homem corpulento e de brilhante pele escura levantou seu grosso machado e arrebentou a maçaneta e a tranca da porta de uma vez só. Chutou-a e entrou, com Khaydan e Khayran logo atrás falando para os outros atrás deles. Após a porta, uma escada em espiral branca e extensa foi feita de saída. José subiu pulando de dois em dois degraus rapidamente, e o grupo tentava fazer o mesmo, até a desajeitada e pequena Angelina, que ainda falava de tudo para tranquilizar Rhett.

As luzes lá embaixo iniciaram seu ritual de apagamento, como que rindo da desgraça daqueles pobres seres humanos que subiam desesperadamente os degraus infinitos. José finalmente parou de frente para uma porta, e também a arrebentou com sua arma furiosa. E então, mais um corredor para correr.

- Estou ficando cansada. - disse Scarlett, em meio a respiração acelerada e os batimentos cardíacos irregulares.

- Só mais um pouco. - disse Madalena, fitando-a com um pouco de tristeza.

Após cinco metros longe da porta mutilada, esta se fechou sozinha com uma batida estrondosa e a escuridão também chegou no novo corredor. Rhett soltou um gemido de choro e Angelina segurou sua mão, quase que instintivamente.

- Vai ficar tudo bem. Você está conosco agora. - ela disse, com um sorriso amargo.

Eles dobraram do corredor para um amplo salão triangular, onde lâmpadas fosforescentes e dezenas de computadores gigantes de última geração cobriam as paredes. José se apressou para um canto, e arredou uma máquina descobrindo ali uma porta de ferro que não se podia destruir, pegou uma chave e a destrancou, pedindo para que Madalena, Scarlett e Angelina entrassem primeiro, e elas logo entraram. Ele foi o último a penetrar, enquanto assistia silenciosamente o salão se apagar misteriosamente. Fechou e trancou a porta, sem ao menos se lembrar de que tinha que respirar.

Estava escuro. Rhett se encolheu no colo de uma Angelina encostada numa parede, e um lampião se acendeu, iluminando o rosto cintilante de suor de Madalena, que com a ajuda de Khaydan e Khayran, acenderam outros lampiões. Scarlett se sentou num canto um pouco mais distante dos outros, abraçando a si mesma num sinal de insegurança, enquanto fitava indiscretamente Rhett chorar em silêncio e Angelina afagar seus cabelos. Khayran também se acomodou nos braços de Khaydan, como que num toque fraternal da qual somente eles poderiam compreender. Madalena e José se acomodaram em caixas de madeira, e assim todos permaneceram por um tempo, um observando o outro, conversando sem precisar falar.

- Eu costumava criar roupas... - disse Angelina, ainda acarinhando o adolescente – Até comecei a fazer sucesso, e um dia antes de eu conceder uma entrevista para a Vanity Fair, acordei aqui, no meio de um monte de... - ela engoliu em seco – corpos em estado de decomposição, presa numa cela pequena e apertada, eu iria morrer sufocada e infectada se minha namorada não me visse e me tirasse de lá.

“ Então olhei para trás, e vi onde eu estava uma única vez. Todas aquelas pessoas tinham cabeças de corvos, enormes, do tamanho de suas cabeças humanas, algumas ainda abriam seus bicos como que anunciando que estavam vivas por enquanto, talvez pedindo por salvação... Mas eu estava com tanto medo e desespero que não dei a devida importância para algo tão estranho e... surreal. Por que eu havia acordado lá? Nunca soube responder...

Minha namorada se chamava Zooey, e ela sempre tinha esse poder de conseguir me encontrar onde quer que eu estivesse...

No primeiro dia, Zooey eu obviamente não sabíamos o que fazer nesse lugar, e as luzes começaram a piscar, e depois a se apagar, uma a uma. Encontramos uma pequena sala de compartimentos de higiene e nos escondemos lá, até ficar quente e os barulhos cessarem. Saímos e passamos mais outro dia caminhando e procurando alguma coisa para comer, mas quanto mais caminhávamos pelos corredores mais pareciam que eles não acabavam. Zooey começou a ficar descontrolada com isso... passou a gritar, a correr sem medo quando ficava escuro, e eu fazia de tudo para acalmá-la, e tudo era em vão.

No quarto dia, conseguimos achar um pequeno compartimento oculto sob um tapete, onde tinha garrafas de água suficientes para mais quatro dias, comida enlatada e – ela parou para rir – um abridor de lata. Mas ela já estava completamente insana, e nada do que eu dizia ou fazia ou tentava fazer era capaz de deixá-la quieta. Até que numa “manhã”, ela não estava mais no esconderijo comigo. Tinha desaparecido sem deixar rastro algum, e dessa vez quem ficou desesperada fui eu.

Eu saí em busca dela, é claro, e passei a correr e gritar e fazer barulho nas grades das celas como ela, enlouquecida. Eu acabei ficando longe demais da minha toca atual, e o dia estava iniciando sua “noite” aqui dentro, eu não tinha lugar algum para me esconder, até que eu pude ouvir os gritos de Zooey, e todas as luzes se apagaram de uma vez.

Fiquei estática, meus pés não queriam se mover, estava com tanto medo daquele barulho de asas e de guinchos, de línguas serpenteando por todos os lugares... Tudo o que consegui fazer foi tentar gritar, mas nem minha voz saía mais. Ela só conseguiu sair quando senti duas fileiras de dezenas de patas pontiagudas nas minhas costas, me arrepiando e me deixando mais instintiva do que já estava...

Tirei minha blusa e a sensação sumiu, então voltei a correr e a gritar por Zooey e as luzes piscaram, como que brincando com as nossas vidas. E depois tudo se silenciou e a ficar escuro mais uma vez, eu desmaiei.

Quando acordei, estava sentada e apoiada numa parede quente, segurando a cabeça de Zooey, e vendo-a logo mais adiante, com uma cabeça de corvo acima do seu pescoço, ela estava piando e eu pude ver que lágrimas saíam dos seus olhos que não eram seus. Eu abandonei sua cabeça original e fui em direção ao corpo.

Seus braços e pernas estavam escamosos, sua barriga se mexia como se tivesse uma criatura ali dentro, ela pulou em cima de mim e tentou me matar, mas quem matou no final fui eu, pisando na sua cabeça até seu bico quebrar e seus olhos estourarem das órbitas. Eu não tinha mais nada. Estava tudo acabado para mim.

E eu fiquei ali, sentada até quando ficava escuro. Por incrível que pareça nada aconteceu comigo, por mais que eu desejasse que acontecesse.

Três dias se passaram até Khaydan e Khayran passarem naquele corredor e me avistarem, me acolherem e me salvarem. Quando chegamos na toca deles, eu acabei conhecendo também José e Madalena, e mais um grande quantidade de pessoas...

Um ano se foi, e eu só luto pela minha sobrevivência agora pela memória de Zooey que me salvou, e nada mais. Aqui estou.

- O que aconteceu com a grande quantidade de pessoas? - perguntou Scarlett, aflita e chocada com toda a trajetória de Angelina, olhando de um lado para o outro lentamente.

Angelina apenas sorriu tristemente, e abaixou a cabeça para admirar os longos cílios de Rhett, nas suas pálpebras intocáveis que descansavam seus olhos esquizofrênicos, num sono profundo. Anjo raptado.


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Black Cherry

quinta-feira, 9 de junho de 2011

The Birds - Capítulo 1

Suas costas deram uma pontada dolorosa, seu nariz se reprimia com o odor de urina forte e asqueroso que emanava em todo lugar, metade da sua face estava úmida e de molho na poça no chão frio e sujo. Scarlett abriu os olhos e outra pontada, agora na cabeça, quase a nocauteou. Ela olhou para as três paredes, todas fechadas, sem conseguir explicar o que estava acontecendo. E apenas uma era visível para o lugar que, aparentemente, era grande, e estava toda gradeada. Scarlett era um passarinho numa gaiola imunda, de um calor claustrofobicamente abafado.
Uma outra criatura se moveu, debaixo de uma coberta escura, como uma barata grande se espreguiçando, apoiada num canto mais escuro. Scarlett esperou um minuto até que ela pudesse fazer alguma coisa, mas não fez.
- O... Olá? – ela perguntou, medrosa.
Uma cabeça saiu das cobertas, uma cabeça descabelada e tão imunda quanto a cela, como que brotando da terra. Um adolescente branquelo e irritado. Bochechas rosadas, lábios finos e róseos, olhos azuis e enormes e cabelos negros desgrenhados. Um verdadeiro anjo malicioso de Botticelli num inferno descarado de Bosch.
- O que é? – sua voz era arrogante.
- Você sabe como... como eu ou nós paramos aqui?
- Sei tanto quanto você.
Suas feições de estresse se transformaram em angústia, um leve desespero.
- Você está bem?
- Você estaria bem acordando num lugar desses?
- Me desculpe eu...
- Relaxa. Agora que você acordou, há uma cabeça a mais para pensar em como sair daqui.
- Você já pensou?
Ele fechou sua cara, realmente irritado.
- Acha que eu estava fazendo o quê? Dançando Lady Gaga?
- Escute aqui garoto, eu não sei o que fiz para você estar sendo tão mal educado comigo. Se você quer trabalhar em dupla, é melhor ser um pouco menos estressado.

Ele bufou, se desvencilhou do cobertor e tocou na parede, estava quente, era manhã lá fora, ou não.
- Tem sol lá fora. Está seguro para tentar sair daqui.
- Seguro? O que acontece pela noite?
- Barulhos, barulhos estranhos. Guinchos, zunidos, asas...
Scarlett arregalou o olhar.
- Eu fico com muito medo, e por aqui fica tudo escuro, então eu uso esse cobertor pra abafar um pouco esses barulhos e tentar dormir. Quando a parede fica quente, quer dizer que é dia lá fora, então as luzes se acendem aqui dentro, e aí fica tudo silencioso.

- Você nunca percebeu ou ouviu uma coisa mais... Humana? – ela gaguejou.
- Não.
- Você está há quanto tempo aqui? Aliás, você viu como eu cheguei aqui?
- Não sei. Eu acordei e você estava aí, acho que deve ter passado quatro dias até você acordar. Eu percebi que as regras desse lugar funcionam assim no final do segundo ou terceiro dia, acho... Aliás, meu nome é Rhett.
Ele parou, olhou para os pés cheios de unhas bordadas com o preto da sujeira, e então voltou-se para ela.
- Você se lembra do que estava fazendo antes de acordar aqui? Se estava na sua casa ou trabalhando?
- Eu... eu não sei. Só me lembro de ter assistido pela madrugada uma notícia de última hora e bastante estranha, e então eu dormi. Devia ser quinze de maio.
- Hoje é dezenove.
Outra vez, seus olhos pularam das órbitas.
- Como você sabe?
Ele levantou o braço e apontou para além da grade. Numa parede, havia uma espécie de máquina retangular residindo bem no meio, dizendo que era dezenove de maio em letras eletrônicas sob um fundo esverdeado.
- Por que não diz as horas?
- Parece que temos que saber por conta própria os horários.
Um barulho ensurdecedor começou, e depois passos apressados ecoaram pelos corredores como marca-passos assustadores. Rhett se encolheu num canto da parede de volta, a luz dentro da cela se acendeu, e o coração de Scarlett rufou e quase quebrou sua caixa torácica, seguido por uma série de arrepios.
- Ahh... AAAhh... – gemia Rhett, traumatizado com aquilo. – Não pode haver barulho durante o dia, não pode haver barulho durante o dia... – falava para si mesmo.
O barulho foi seguido por uma gritaria, e depois um pedido de silêncio. Scarlett pôs a mão entre os seios, pensativa. Sim, eram outras pessoas!
- EI! AQUI! – gritou. – ESTAMOS AQUI!
Rhett se levantou num pulo.
- Você está louca?
- Estou louca para sair daqui, Rhett.... EEEEEIIII! AQUIIIIIIII!
- Tem gente naquela direção! – disse o eco de uma voz feminina. – Vamos ver!
O rosto de ambos se iluminou. Um grupo de cinco pessoas, três homens e duas mulheres, chegou com vigas de ferro e facas nas mãos. Scarlett abriu a boca em suave medo, mas logo foi acalmada.
- Não precisa ter medo. Vamos ajudá-los e não matá-los. – sorriu uma das mulheres, de pele negra e cabelos crespos, tranquilizando os dois prisioneiros.
- Agora, se afastem da grade. – disse um dos homens, também negro, musculoso, segurando um grande martelo.
Bastaram duas fortes marteladas no cadeado enferrujado para este se destrancar. Rhett saiu como uma lebre ansiosa da cela, olhando apressadamente para todos os lados. Scarlett teve que ser a educada.
- Obrigada. – disse, tentando sorrir tanto quanto a mulher negra.
- Por nada. – disse o homem negro. – Bem, vamos logo nos apresentar, eu sou José.
- Eu sou Madalena. – disse a mulher negra.
- Khaydan. – sorriu um dos homens, de pele mestiça e olhos castanhos. – e esse é meu irmão gêmeo Khayran. – e postou a mão direita sobre o ombro de Khayran.
- Angelina. – apresentou-se a outra mulher, loira, baixinha, com grandes seios e grandes olhos esverdeados.
- Meu nome é Scarlett, e aquele garoto é o Rhett. – disse Scarlett, meio constrangida com o comportamento excêntrico de Rhett.
- Ele está bem? – perguntou João, assistindo Rhett correndo para lá e para cá.
- Acho que sim. Só é um pouco neurótico. – e deu um meio sorriso.
José fechou a expressão risonha para um ar preocupado, entrou na cela arregaçada e tocou na parede. Estava morna.
- Essa não. – ele anunciou.
- Aconteceu de novo? – perguntou Angelina, seus olhos eram duas petecas assustadas.
- Sim. Temos que nos apressar e voltar para nossa toca.
- Toca? – perguntou Scarlett.
- É um dos refúgios seguros que existem por aqui. – explicou Madalena.
- Vocês estão aqui há quanto tempo? – questionou Rhett, parecendo agora menos afoito.
- Um ano. – respondeu Khaydan, com um meio-sorriso mórbido.
Scarlett e Rhett respiraram fundo. E então voltaram a si.
- O que aconteceu de novo? – Rhett estava com as bochechas mais rosadas do que o habitual.
- O dia está passando rápido. E isso é muito, muito ruim quando você está um pouco longe da toca. Vejam. – Madalena apontou para o calendário eletrônico.
Scarlett sentiu um arrepio tenso e horrendo percorrer pelo seu corpo, seguido de Madalena que segurou sua mão e a mão de Rhett, e todos correram num silêncio estuprado com o barulho de uma campainha estridente e violenta. As luzes começaram a piscar, como que anunciando a chegada da noite prematura. O calendário eletrônico marcava vinte de maio, e embaixo da data, um anúncio.
“Hora de despertar”.



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Black Cherry

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Tristeza Voluptuosa

Procuro qualquer distração
Pra não deixar as mãos atadas
Não necessito de mais nada
Meus versos são meu alimento
meu espírito, minha religião
A única devoção dos meus dedos
E eu gostaria tanto de tirar
O improvável
da minha mente
O amor não é tão bom
quando se está sem asas
Suas mãos frias, ásperas e sujas
Não apertam mais a minha garganta
Nunca mais
Cílios enferrujados
Você e eu.





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Verano

domingo, 5 de junho de 2011

Cristal

Antes disso, uma alvorada de gaivotas uivou no céu sépia.

O rapaz o fitou pelo que pareceu um longo instante, quando na verdade foram-se apenas vinte e dois segundos. Vinte e dois segundos para tudo isso? Aliás, o que era isso? O que era aquele rosto espesso e cabisbaixo como uma máscara flutuando no inverno de um coração partido? Corações não se partem, ele pensou, é claro que não se partem.

Corações se despedaçam.

Como um espírito perdido num campo de trigo. Um campo tão dourado quando os cabelos do Pequeno Príncipe a açoitar o vento num cometa distante da mais pura alegria melancólica. Espírito de papel. Amassado, jogado fora, esquecido.

Mais adiante, a face dele permanecia inexorável, infindável na sua agonia de ser triste e trágico. Por que ele estava tão triste? Por que diante de tantas possibilidades ele estava triste? Ali, debaixo daquela árvore frondosa e alaranjada e acolhedora, sombreando a grama como um buquê de flores flutuantes, quase cinco e meia da tarde. Um sol morno e nem tão simpático, apenas naquela insignificância e egoísmo. A escuridão parecia muito mais tentadora.

Então ele ficou por mais um pouco de tempo, a admirar a beleza daquela melancolia inalcançável, e seus lábios ressecaram com o frio do outono, num ato tão súbito quanto o coito de dois olhares a faiscarem num segundo fotografado. A árvore outonal que o abraçava estava velha, cansada e desanimada, talvez acostumada com aquele garoto ali, na espreita de seus galhos maternos, tal um filhote de leão perdido. Leão abandonado.

O rapaz decidiu se aproximar, com certa hesitação, se aproximou, mas nada de mais aconteceu. O garoto permaneceu intacto, um vegetal admirando os próprios pés. Então ele pôs um joelho no chão e abriu a garganta.

- Por que ficas aí? – ele perguntou.

O garoto não respondeu. Então ele tentou novamente.

- Por que estás tão triste?

O garoto levantou o rosto. Não estava úmido de lágrimas como ele pensava que estaria, estava apenas exausto e levemente soturno. Mas nada que pudesse assustar, nada disso.

- Por que te interessas a minha tristeza?

- Porque sempre permaneces aí, como se só existisse esta árvore para ti.

- Talvez só exista ela, mesmo...

- Não te cansas de ser tão desanimado?

- Por que eu deveria me cansar?

- O que te aconteceu?

- O que me aconteceu?

O olhar do garoto pareceu ainda mais triste do que qualquer demonstração de tristeza que o rapaz poderia presenciar algum dia. Era uma flor murchando antes mesmo de nascer.

- Não me aconteceu nada... – ele respondeu.

- Não pode ter acontecido nada. – o rapaz questionou.

- E por que não? – ele rebateu.

O vento açoitou os cabelos negros e lisos do rapaz, como um sopro tão próximo que ele poderia jurar ter sentido sua própria personificação ali.

- Sempre há alguma coisa, não é?

O garoto finalmente desistiu.

- Estou triste porque eu não sou nada.

- Isso não faz sentido...

- Faz todo o sentido do mundo.

- Por que você não é nada?

Foi algo parecido com magia, o garoto olhou para o céu, uma lágrima desceu do seu olho direito, e então começou a chover. Não, ainda não era chuva, era apenas uma garoa, meio morna meio gélida, uma pequena demonstração de inconstância.

- Eu não tenho certeza sobre os meus sonhos, não tenho certeza sobre coisa alguma... – ele voltou a velar o olhar do rapaz. – Venha cá, deixe-me contar a você um segredo.

O rapaz não hesitou. Sentou-se ao seu lado e aproximou a orelha dos lábios do garoto, e o garoto contou seu segredo. O rapaz compreendeu, como não compreender? E o garoto pôs a cabeça de lado sobre o seu ombro, apenas aquilo, apenas aquele mínimo ato sobre a fúria do outono, nem um pouco mais.

O rapaz chorou, e a alvorada de gaivotas o levou embora.



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Andrew Oliveira

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Scatterheart




A noite negra se desaba
O sol está indo para a cama
Os inocentes estão sonhando
Como você poderia fazer, adormecido
Adormecido, adormecido

Todo o amor sobre mim
Enviei para você
Conforto e proteção
Eu o velarei

Mas não me pergunte
Sobre o que virá
Eu conheço o futuro
E adoraria te conduzir pelo caminho
Apenas para fazê-lo mais fácil para ti

Mas você terá que descobrir por si mesmo

Meu
Mais amado
Transbordante Coração

Há afeto
No olho certo
De um furacão

E toda a mágoa do mundo
Você conhece
Não há nada que eu amaria mais fazer
Do que aliviá-lo deste fardo
Irá ser duro

E se eu só pudesse
Abrigá-lo
Desta dor
Apenas para deixar mais fácil para ti

Você terá que descobrir por si mesmo.





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Björk / Selma Jezkova

Letra e Música do filme Dancer In The Dark, o filme mais importante da minha vida, e o que eu mais me identifico .-.