Solitude, darkness and love


"I don't wanna admit, but we're not gonna fit"

terça-feira, 30 de março de 2010

O campo de girassóis



Perto de um sonho, a moça permitiu-se enxergar um ambiente claustrofóbico e completamente branco, ela se sentia presa e entorpecida, já não conseguia se mexer, o ar incomodava, seu suor coçava, era a sensação de um deus ou um demônio aprisionando-a nas suas visões oníricas, porém, nunca belas. Talvez fosse o destino, quem sabe, imaginou para si mesma, mas que bobagem, decepcionou-se. Passou a orar um pouco e infelizmente despertou para as paredes frias do seu quarto que ainda guardava carinhosamente o cheiro dela.

Abriu os olhos bem devagar, desejando que eles nunca mais se abrissem, mas hoje eu tenho que sair daqui, pensou mais uma vez, direcionou-se à grande janela de seu aposento para abrir as cortinas bem-feitas e enfeitadas com miçangas, costuradas por ela, ela que sempre protegeu Alice. O sol ainda estava saindo tímido dentre as núvens cinzas de uma manhã nublada, Alice ouvia o farfalhar das árvores do quintal de sua casa que agora estava tão cálida, os pássaros parindo seus ovos, bem baixinho, e tudo parecia tão mágico, mas Alice não se sentia mais nos seus sonhos que a aprisionavam, ela se sentia na realidade que a condenava.

Pôs uma canção forte no seu gravador, sentou-se na cama e seus cílios cabisbaixos estavam sem chamas, todas elas foram apagadas pela água salgada. Pensou mais um pouco e decidiu se despir lentamente, como sempre sem entusiasmo algum, a sonhadora se preparava para mais uma batalha. O gosto ácido de seu estômago ainda exalava em sua boca ressecada, escovou os dentes.
A água fria descia e descobria cada poro de seu corpo magro, pálido, cheio de sinais bonitos dispersos nele. Lavou-se, lavou seus cabelos negros, lavou só um pouquinho a sua alma, lembrando calmamente de cada minuto importante que estava perdendo se lavando. Mas ela queria estar bonita e apresentável para esse dia, afinal, era o dia mais especial de sua vida, seu único momento.

Quando infante, um casal de idosos simpáticos a tirou daquele covil de pessoas inescrúpulosas, o pai adotivo faleceu alguns meses depois, só restara a mãe.
Vestiu seu vestido branco mais lindo, maquiou-se como se maqueia uma modelo sendo preparada para um ensaio fotográfico. A guerreira estava pronta, agora que venha a guerra!
Bateu na porta do quarto de sua melhor amiga, já estou indo filha! Gritou a mãe adotiva,, surrada pelo tempo. A filha abandonada pelos pais biológicoss sorriu graciosa e entusiasmada. Ela e a mãe haviam se mudado para aquela casa há pouco tempo, era bem distante da cidade. Vamos mãe, não aguento mais de tanta ansiedade!
A porta se abriu e Rosário vestia um lindo vestido vermelho da década de 50, era o seu favorito, e o de Alice também. Pegou a mão esquerda de Alice, e, juntas, foram correndo para um campo de girassóis.

O campo brilhava pela manhã, eram girassóis maiores do que o mundo, pois foram cultivados com amor, sinceridade, paixão e afeto. A guerreira e a dama dançavam gargalhando por entre as flores douradas, cantarolando músicas francesas antigas, elas falavam francês muito bem, por sinal. Rosário ensinou tudo direitinho para Alice!
Sua mãe era tão bela, tão livre! Ah, que vontade de chorar de felicidade! Rosário sempre dizia que o vestido branco era o melhor que ela já fizera para Alice.

Alice abriu os olhos cinzas na frente do espelho, o lápis borrado na face pelas lágrimas que enchiam suas portas do mundo, o vestido branco ainda no seu corpo.
Alice lavou o rosto novamente e passou cuidadosamente a maquiagem, afinal, ela queria estar sempre bela para a sua mãe, debaixo daquele sol ardente de verão, onde a alma vivaz da doce senhora Rosário ainda cantava bravamente como se esta fosse a sua última canção.
Eu estou indo, mamãe!











~

Andrew Oliveira
Fotos: Björk Gudmundsdóttír

segunda-feira, 29 de março de 2010

A última noite de Lucas




Ele corria ainda desesperado, chorando, como se todas as lágrimas quisessem fugir de seus olhos tão dóceis, pelas ruas de uma metrópole, numa madrugada mais fria do que nunca. As luzes ofuscavam seus olhares, mas nem a claridade nem a escuridão poderia salvá-lo, ele estava só, ele era só, sempre só.
Sua infância foi doce por um curto tempo, até que foi descoberto câncer de mama em estágio avançado na sua única família, a sua mãe, a sua mãe que era mais anjo do que mãe. Agora ele tinha que sobreviver no mundo sem a ajuda de ninguém, na verdade, nunca precisou de ajuda, não até aquele momento.
Tropeçou perto de um beco, era um rapaz novo, porém de estatura física perfeitamente desenhada, entretanto não sabia se defender, nunca soube se defender, mesmo que tenha passado tantos anos vivendo sozinho vendendo o único dom que Deus lhe deu, seu corpo. O beco fedia à ratos, mendigos, fedia fome, fedia sordidez humana, fediam os sentimentos humanos mais obscuros alí. Seu medo ficava ainda maior, e um homem muito maior do que ele se aproximava, pronto para atacá-lo.
Ele estava acostumado à todos os tipos de desejos de seus clientes, mas não à um estupro, ele deveria atingir uma cota, mas não conseguiu, e por não conseguir seu cafetão ficou furioso e mandou matá-lo pois Lucas apenas dava trabalho e despesas para ele, afinal, era só mais um corpo. Só.
Lucas pôs-se a chorar mais alto, sua vida não poderia acabar naquele beco, ele tinha sonhos, muitos sonhos, como qualquer criança em corpo de adulto tem.
O homem arrancou suas vestes alí mesmo e penetrou em suas entranhas de forma bruta, violenta, odiosa, com muita raiva. Lucas tentava gritar mas o homem tapava a sua boca com sua enorme mão direita, Lucas apenas gritava sangue saindo de suas nádegas e misturando-se à saliva do monstro e do pré-semen que alí percorria.
O monstro ficava cada vez mais violento e empurrava Lucas contra a parede úmida, espancando-o, estraçalhando-o como um tigre estraçalha a sua presa louco de fome e de sede de poder.
Finalmente estava tudo acabado, o demônio jogou-o no chão, e Lucas ficou alí mesmo, fraco, violado, sujo, com mais e mais lágrimas descendo silenciosamente de seu belo rosto.
- Meu Deus, me ajuda... - Implorava ele por uma sobrevivência.
Uma mulher completamente pálida vinha em direção à ele, tinha os cabelos dourados como campos de trigo ao sol da tarde, idênticos aos cabelos de Lucas, uma voz doce, e as dores, internas e externas de Lucas passaram a sumir, ele finalmente se sentia aliviado do mundo que pesava em suas costas, aquele mundo não existia mais, ele estava livre, correndo alegre ao lado de sua mãe por um campo colorido das mais variadas flores, do céu mais azul, da brisa mais gostosa.

Lucas enfim se libertou,
A morte não era tão ruim como ele pensava, afinal.





Andrew Oliveira ;*

Lucas




De cabelos penteados para a frente,
Mãos de dedos finos e charmosos como um véu
A olhos cínicos mas até inocentes sem a mínima atenção
Braços desleixados que se movem involuntariamente
Boca perfeitamente desenhada para um delicioso beijo
Orelhas médias feitas para se morder
Sombrancelhas grossas meio tristes meio alegres
Um sinal bonito ao lado direito do nariz
Outros sinais pelo rosto, sinais pequeninos.
Sorriso de criança travessa que acabara de aprontar
Pescoço gostoso pronto para ser mordido
Corpo másculo desejando ser possuído
E de tórax, peitos, mamilos, coxas, pernas
Umbigo
Pés
Unhas



Saliva



Dentes
Sexo
Braços
Ante-braços

Mãos
Palmas
Pulsos

Sangue

Ossos

Sistemas

e músculos







Pele











Lucas me suga em mais uma noite paga,
Assim, em mim, completamente perdida.




~

Andrew Oliveira ;*

domingo, 28 de março de 2010

Pandora



Só sei
Não demora
-Desmorona
Sobre uma elegia
De Pandora

Circunspecta em si mesma
Intuitiva em outra cisão
Pandora não suspira,
Não respira,
Não grita.

Um reflexo ácido
De uma moça instintiva
Pandora ordena, chora, condena-
-Deuses criam sobre seus seios
Uma caixa de renascimento
E inclina seu corpo
Por sobre seus olhos
Queimam seus cílios

Para um lago de dor
Que protege seus medos

Pandora vai, embora
no seu véu
Seus restos mortais se dispersam.






~






Andrew Oliveira

sábado, 27 de março de 2010

O poema do soprador



Eu vivo no ar
E durante o entardecer
Eu assovio flores de
vivências escondidas
Até o fim
Sob todos os gestos

É lá que eu vou me descobrir

Lá é o meu lar.




~








Andrew Oliveira

C A N A V A R L A R

Seus olhos são capazes de alcançar um novo mundo?

Alicia



De seu fogo dançante da morte
Que revela a vida
E engana a sorte
Alicia suspira

Alicia possuidora de 4 sentidos
Dor, luto, tato e audição
Sem amor bruto, em estado vão

Alicia também era Marina
Marina Alicia, Alicia Marina
Alicia em sua inimiga (Alicia era sua inimiga)
Alicia não ressurgia

Presa em uma jaula fria
Alicia flutuava arrependida
Roçando nas grades, sucinta
Amando nas tardes, aflita

E quando Alicia surtou
Um mundo desprendeu-se das correntes
Alicia semeou suas sementes
Alicia não mais amou

De suspiros a gemidos
Alicia se fechou.




~







Andrew Oliveira